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O Bispo e o Frade

Certa vez ouvi uma história que já citei inúmeras vezes para falar sobre riqueza e pobreza. É “O Bispo e o Frade”. Havia um bispo que morava num castelo. Sua diocese era rica e poderosa, como era normal na Idade Média. Era dono de muitas terras. O castelo se abastecia do bom e do melhor. Seus talheres de mesa eram feito de ouro refinado. Sua louça era a mais fina disponível. Tinha servas e servos à disposição. Tudo isto fazia parte do seu direito pelo posto que ocupava, algo que ele ganhou com o suor da sua testa, pois tinha sido indicado pelo Cardeal. Mas, diferente de muitos da sua época, era um santo homem de Deus. Sua vida era dedicada à oração, ao serviço e ao estudo das Escrituras. Por ele, tudo aquilo não passava do cenário, do palco do exercício do seu sacerdócio. Seu coração batia por Deus somente.

Certo dia, encontrou um frade mendicante no caminho de volta a sua casa, isto é, do seu castelo. Ofereceu-lhe uma carona na sua carruagem. Carona aceita, os dois estavam a caminho. Seu peito ardia ao discursar sobre a Palavra de Deus e poder ouvir as reflexões do seu humilde irmão sobre a mesma. De tão absortos que os dois ficaram, o bispo insistiu que o frade aceitasse a sua hospitalidade. Queria que passasse alguns dias com ele no seu castelo. O frade aceitou de bom grado. Era uma época de frio e algumas noites numa cama quente até ajudariam a amenizar as suas dores e uma gripe que não passava.

Chegaram no castelo e logo o frade foi escoltado para os seus aposentos. O quarto era enorme, luxuoso e oferecia todas as benesses de que os mais ricos lordes dispunham. Um pouco constrangido, deitou na cama. Mas sua consciência pesou. E ele passou a dormir no chão, ao lado da cama. Foi uma tarde de sono tranquilo. Pois, embora estivesse no chão, pelo menos havia um teto sobre a sua cabeça e uma lareira para esquentar os seus pés.

No início da noite veio um servo bater à porta, convidando-o a segui-lo para a grande sala de jantar onde o seu anfitrião, o bispo, o aguardava ansiosamente. Em homenagem a tão precioso irmão, o bispo tinha mandado servir do bom e do melhor, com os melhores talheres e a melhor louça, taças de cristal e iguarias das quais o frade nem tinha ouvido falar.

Mas, ao sentar-se à mesa, o frade novamente sentiu que a sua condição e os seus votos não lhe permitiriam desfrutar de tão rica refeição. Pelo menos não poderia fazê-lo da maneira que um rico bispo faria. Gentilmente pediu que retirassem a louça, os cristais e os talheres de ouro. Apesar de haver um faisão assado à sua frente, feito em sua honra, ele pediu apenas um caldo quente de carne ou legumes para tomar. Então tirou do seu bolso um pratinho fundo de madeira. Era o seu instrumento único, no qual tinha o hábito de se alimentar. Relutantemente, o bispo mandou todos os seus servos acomodarem o frade e os seus pedidos.

Então lá estavam. O bispo de mesa farta, com uma refeição riquíssima, e um humilde frade, com o seu pratinho de madeira e um pouco de sopa para aplacar a sua fome. De repente, o frade se descuidou e o prato escapou da sua mão. Escorregou da mesa e caiu no chão, espatifando-se em pedaços e farpas. Já era um pratinho antigo e tinha servido muitas refeições humildes. O tempo o tinha fragilizado. Os dois assistiram ao prato se destruir contra a dureza do chão de pedras nobres. Então aconteceu. O frade começou a chorar. Ele perdera um dos únicos objetos que podia chamar de seu. Seu pratinho se fora. Ele, o frade, chorava. Em silêncio, o bispo se compadeceu do frade até que algo lhe ocorreu. Com amor, ofereceu-lhe outro prato. Mas, antes, falou:

“Meu jovem irmão na fé. As Sagradas Letras nos ensinam que não devemos nos apegar às coisas deste mundo. Que não devemos nos apegar às riquezas. Quando você sentou -se à minha mesa, senti constrangimento ao assisti-lo tirar o seu pratinho do bolso e pedir a remoção da mesa que lhe ofereci. Pensei: “Certamente este irmão é dos mais pobres de espírito e alguém com quem eu tenho que aprender. Realmente sou um homem carnal, em comparação com este santo frade”. Todavia, agora não posso me furtar de lhe falar. Veja tudo o que está ao seu redor: um castelo, móveis trabalhados, uma mesa farta e fina. Tudo isto considero como nada. Sim, é verdade. Isso faz parte do meu ofício e da minha posição. Mas o que eu mais prezo na vida é conhecer Cristo. Se tivesse que partir e deixar tudo isto para traz, o faria sem remorso, nem saudade da minha vida confortável. Toda a minha riqueza é perda. E perdê-la não me traria qualquer tristeza. Todavia, seu único pratinho, algo tão humilde que até me deixou constrangido, foi para você uma riqueza. Ao perdê-lo você chorou e se mostrou mais apegado a ele do que eu sou a tudo isto que lhe cerca.”

Caro leitor, não é o que possuímos o que nos contamina, mas o que nos possui. Paulo não condenou os que tinham muito, ao escrever a sua primeira carta a seu discípulo na fé Timóteo. Ele apenas advertiu para não confiar nas suas riquezas e ser generoso com os que nada tinham. Para os outros, ou seja, os que não eram ricos, avisou que “o amor ao dinheiro é o princípio de todos os males”. Seja um pratinho ou um castelo, toda e qualquer coisa que possuímos tem a capacidade de nos enredar. O que temos pode facilmente nos possuir, se não guardarmos o nosso coração. Portanto, se tivermos o que comer e com que nos vestir, sejamos gratos, pois é a gratidão que nos põe no caminho de um relacionamento mais espiritual com tudo de material que ocupa a nossa vida. Sejamos generosos, pois é pela doação que exercemos essa liberdade das coisas. Sejamos vigilantes, pois o coração é enganoso e como uma teia de aranha que aparece somente depois de ter sido tecida, fio a fio, assim também nosso coração pode ser possuído se não tivermos cuidado dele.

Na paz,

+W

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