“Parece que alguns dos crentes de Corinto cometeram dois erros ao exercitar esse dom. Primeiro, eles superestimaram a sua importância, pensando que aqueles que exercitavam um dom tão obviamente sobrenatural precisam ser, eles mesmos, extraordinariamente favorecidos por Deus. Sua imaturidade infantil os levou a concluir que o falar em línguas era evidência de uma espiritualidade transcendente e superior. Segundo, eles estavam utilizando — de fato, ostentando — o seu falar em línguas na assembleia pública sem interpretação. A resposta de Paulo a essa utilização equivocada não foi proibir o dom de línguas na vida da igreja. O mau uso egoísta e pecaminoso não anula a realidade de um dom divino. Sua recomendação não foi a rejeição, mas a correção.
Resumidamente, Paulo lhes deu dois conselhos (ver Co 14.26-40): tomar medidas para evitar uma cacofonia simultânea de línguas sendo faladas e permitir que apenas dois, ou no máximo três, falassem durante o desenrolar de um culto. Por quê? (1) Para que a reunião não se torne desordenada ou de difícil controle; e (2) para que as pessoas com o dom de línguas não assumissem, no Corpo, um lugar mais proeminente do que seria justificável. Quem fala em línguas nunca deve pensar que o dom não pode ser controlado. O Espírito Santo não obriga ou oprime. Se dois ou três já tivessem falado, Paulo esperava que os outros ficassem calados — o que implica que eles tinham controle/ domínio sobre o dom. Paulo não aceitaria a desculpa: “Mas eu não podia fazer nada a respeito. A presença, o poder e o impulso do Espírito Santo eram fortes demais para serem contidos. Eu estaria extinguindo a obra do Espírito se tivesse me mantido em silêncio!” Não. O Espírito Santo nunca se move ou pede a alguém para violar o que Ele disse anteriormente nas Escrituras.
Eu já destaquei 1 Coríntios 14.14-19 como evidência de que orar em línguas é uma experiência básica na vida devocional particular de Paulo. Esse argumento é confirmado pelo versículo 28, onde ele deu instruções sobre o que fazer na ausência de um intérprete: “[o que fala em línguas] fique… falando consigo mesmo e com Deus.” Onde? Dada a proibição explícita de falar em línguas não interpretadas “na igreja”, parece provável que Paulo tivesse em mente o orar em línguas em particular, um contexto diferente do encontro coletivo.
Alguns insistem que Paulo está instruindo quem fala em línguas a orar em silêncio para si mesmo e para Deus enquanto estiver na reunião da igreja. Mas, mesmo que isso fosse verdade (o que duvido), teríamos, então, o endosso apostólico do falar em línguas reservadamente. Se, como afirmam os cessacionistas, todo o falar em línguas é revelador e destinado apenas à comunicação racional, o conselho de Paulo não faz sentido. Por que Deus concederia um conhecimento revelador infalível somente para o destinatário do dom falar consigo mesmo e com Deus? Parece que o cessacionista precisa imaginar aquele que fala em línguas esperando pacientemente até a chegada de um intérprete, podendo, então, falar de forma audível. Mas isso é enxergar no texto um cenário ausente. A instrução de Paulo é para uma situação em que não existe um intérprete. Ele não diz nada sobre quem fala esperar até haver um intérprete. Além disso, é coerente com a ênfase que Paulo dá em 1 Coríntios 14, de todos trabalharem juntos para a edificação mútua, ele ter de recomendar que alguns (talvez muitos) concentrem sua energia espiritual internamente (orando em línguas) enquanto alguém está falando audivelmente para edificar as mesmas pessoas que, seguindo o conselho de Paulo, não estão sequer prestando atenção?”
Trecho extraído do livro “Dons Espirituais: uma introdução bíblica, teológica e pastoral”, de Sam Storms, lançado pela Editora Anno Domini em fevereiro de 2014. Além do falar em línguas, o autor aborda todos os dons espirituais citados pelo Apóstolo Paulo na primeira carta aos Coríntios. Saiba mais.