O salmo 42 começa com a seguinte frase: “Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a Deus?” Esse salmo não foi escrito por Davi. Ao longo dele, seus autores – os coraítas – repetem: “Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus!”
Estou vivo há mais de cinco décadas. Alguns protestam que ainda sou jovem. Claro que, se Deus assim permitir, tenho ainda muitos anos de vida pela frente. Mas, de uns pouquíssimos anos para cá, tenho me tocado do quanto a vida me deu quando eu era jovem e, inversamente, o quanto a vida vem tirando de mim ao passar de cada ano. Saúde, força, amigos, um certo vigor e outras coisas já não são mais os mesmos. Talvez seja meu jeito melancólico, mas tenho parado e pensado, cada vez mais, sobre como esta vida é um processo de perdas e ganhos, de realizações e frustrações. Quem tem menos de trinta anos não vai entender esse sentimento. Creio que os que têm mais de cinquenta já estão suspirando em concordância.
Numa sociedade que protesta a sua absoluta e constante necessidade de ser original e viver fora dos padrões, é irônico o quanto somos todos tão típicos, previsíveis e “normais”. Quando jovens há tantas coisas que desejamos! Queremos achar o nosso rumo na vida. Queremos ser relevantes. Queremos ser felizes. Queremos uma chance. Queremos que alguém nos leve a sério. Queremos ser amados do jeitinho que somos. Queremos velocidade. Queremos emoções fortes. Queremos barulho, agitação e novidades. Queremos um futuro.
Pouco a frente, passamos a querer outras coisas. Queremos filhos. Queremos transcendência. Queremos respeito. Queremos resolver, e já, as coisas que não funcionam. Queremos que os nossos pais entendam que não somos mais crianças. Queremos que os vizinhos sejam menos barulhentos. Queremos um aumento e uma promoção. Queremos uma boa escola para os filhos e que eles sejam bons alunos. Queremos que nossos filhos não se machuquem. Queremos um rota para o trabalho que não tenha tanto engarrafamento. Queremos um chefe menos difícil. Queremos menos impostos.
Passam mais alguns anos e o que queríamos tivemos, mas estamos começando a perder. Queríamos não ter confiado tanto no amigo que nos traiu. Queríamos não ter sido tão preguiçosos ou irresponsáveis, quando jovens, pois a saúde podia ser melhor do que é. Queríamos ter aprendido espanhol. Queríamos um lugar para morar com menos barulho. Queríamos que os motoristas de ônibus fossem mais gentis. Queríamos que os carros no nosso retrovisor fossem menos apressados, e os que estão à nossa frente fossem menos lentos. Queríamos ter visto o Monte Everest. Queríamos sentir a mesma alegria com as pequenas coisas que sentíamos. Queríamos um plano de saúde mais compreensivo e menos caro. Queríamos poder acreditar em algo. Queríamos que os joelhos não doessem ao sair da cama pela manhã. Queríamos ser tão belos e fortes como fomos “nos velhos tempos”. E ainda queremos ser amados por quem somos. Queremos um sorriso do netinho – ah, isso queremos. Queremos que o nosso ombro pare de doer. Queremos que alguém nos diga que todo este esforço, todo o nosso sacrifício e todas as noites mal dormidas não foram em vão.
Então um dia paramos. Descobrimos que nem tudo o que queremos teremos. A alma se angustia. Oportunidades perdidas, assim como amigos, saúde e o encanto com a vida. E amanhã? Como será? O que antes era algo tão fácil, agora nos dá um certo medo – pegar um avião, enfrentar um desafio, até mesmo atravessar a rua.
Não estou velho. Mas estou chegando lá. E o que me ocorre hoje é que, ao longo da minha vida, sempre houve razões para me angustiar. Isso é certo – uma constante na minha e na sua vida. Os coraítas nos lembram: “Ponha a sua esperança em Deus”.
Sim, o que a alma realmente precisa é de Deus. Só Ele preenche o vazio. Só Ele consola verdadeiramente. Isso não é um chavão, é um fato. Preciso de um toque real do Deus vivo. Algo que mantenha viva a minha alma. Ah! Quantas vezes já estive num sepultamento e alguém chegou para dizer “há males que vêm para o bem”? Dá vontade de dar um tapa na cara desse tão bem-intencionado tolo. Palavras nem sempre ajudam. A alma não precisa ser informada. A alma não precisa de mais informação. Não vai ser uma frase bem bolada no Twitter que vai me animar. A alma tem sede de Deus. Precisa da sua inexplicável e incomparável presença.
Feliz é aquele que não acha que essa perda representa o fim da vida. Feliz é aquele que não se gasta com lamúrias pelos bons e velhos tempos. Feliz é aquele que não tenta perpetuar o que inexoravelmente vai definhar com o passar dos anos.
Dizem que o corpo humano pode sobreviver muitos dias sem comida. Mas sem água não. Sede fala de uma necessidade de primeira ordem. Deus é a nossa maior e constante necessidade. Sem Ele a alma se angustia. Todas as necessidades menores gritam por atenção, a ponto de acharmos que são elas as que realmente importam. Mas, de todas, só uma realmente é vital. Sem Deus, sem beber da fonte, a alma seca, a vida seca e nos tornamos ossos em movimento.
Ó, vem, Senhor, e preenche-me de Ti. Só em Ti acho repouso para a minha alma.
Na paz,
+W