Estou num ano sabático. Isso quer dizer que estou restringindo as minhas atividades ao que é apenas essencial, enquanto me dedico a uma pós-graduação há muito tempo inacabada. Separar esse tempo é algo que pus perante Deus em oração. Consultei o Senhor sobre a necessidade de voltar a fazer isso. Em resposta à minha oração, Deus me surpreendeu com o que muitos chamariam de coincidências. Mas foram essas “coincidências” que eu havia pedido a Ele e fortaleceram a minha resolução de seguir essa linha de trabalho. Com que fim faço isso só Deus sabe. A mim cabe obedecer o que percebo ser a sua vontade.
Acabei um pequeno curso sobre a Doutrina da Santíssima Trindade. Embora seja um curso de curta duração, me apresentou um nível de estudo e grau de dificuldade que me surpreenderam. Pensei que entendia o bastante sobre a Trindade e fiz o curso apenas para me ajudar a completar a carga horária total. Qual foi a minha surpresa ao descobrir que algumas das mentes mais brilhantes da história da Igreja se debruçaram sobre o dilema — o de compreender a junção da revelação veterotestamentária sobre a unidade de Deus com a presença clara de três pessoas divinas no Novo Testamento! Levou 400 anos para a Igreja chegar a um consenso mínimo sobre o que viria a significar esse Deus uno e trino. Para minha surpresa, descobri que a Bíblia não contém a Doutrina da Trindade. Isso não quer dizer que a Trindade não esteja presente na Bíblia. Está, e muito claramente. Mas a doutrina é outra coisa. Uma coisa é interagir com a Trindade, ver a Trindade presente nas Escrituras e empregar um sintax Trinitariano no nosso dia a dia (“Ao Pai, em nome do Filho, pelo poder do Espírito Santo”). Outra coisa é entender o que tudo isso realmente significa e não significa.
As primeiras grandes heresias da Igreja nasceram precisamente nesse campo de teologia. Os hereges de antigamente usaram de lógicas e filosofias para especular sobre Deus. E, com um brilhantismo que falta aos nossos hereges atuais, levantaram uma verdadeira ameaça à vitalidade e ao futuro da Igreja. Em defesa da boa leitura das Escrituras surgiram os grandes teólogos da antiguidade: Ireneu, Tertuliano, Atanásio, Basílio de Cesaréia, seu irmão Gregório de Nissa, Gregório Nazianzen (ou de Nazianzus) e o notável Agostinho de Hipona. Ler essas obras antigas e até algumas mais recentes, de autores como Karl Barth e até mesmo Tomás de Aquino, me levou a querer compartilhar sobre o assunto.
Os mais importantes teólogos da Igreja nunca temeram enfrentar o erro abertamente, com todas as letras, e até citando os autores do erro. Como outros após ele, Tertuliano escreveu uma obra chamada Contra Praxeas. Literalmente, ele escreveu contra o que Praxeas havia defendido, deixando claro no próprio título da sua obra que se tratava de um ataque frontal ao homem e à sua teologia. Ele não desmereceu o homem, mas desconstruiu a sua doutrina.
A melhor literatura da história da Igreja vem desses polemistas. Vem de homens que não se limitaram a afirmar a sua fé. Fizeram isso no contexto do confronto entre a sua confissão e o que percebiam claramente serem erros de doutrina, até mesmo heresias.
A polêmica é malquista em nossos dias. É vista como um pecado contra a paz da Igreja. Melhor não entrar no mérito. Melhor não levantar conflito. Melhor não comprar uma briga. Melhor apenas deixar o dito pelo não-dito. Melhor sermos todos um pouco mais civilizados e “cristãos”. Mas os antigos viam que, onde houvesse a propagação de um erro sem que houvesse quem o combatesse, não poderia haver paz. Amavam tanto as Escrituras e o Deus que as inspirou que viram na defesa delas a própria defesa do povo de Deus.
Bons polemistas não se limitam a dizer que A, B, ou C estão errados. Os bons explicam o erro. Mostram a sua falência. Desmontam sofismas. Descontroem heresias. E, depois, abrem as Escrituras para, à luz delas, explicar o que é a verdade. Polêmica não é a culpa de quem denuncia e confronta. É a atividade necessária e urgente de quem ama a verdade, ama Deus e ama o povo de Deus. Pois, sem o polemista, o erro prospera, se alastra e, finalmente, envenena mortalmente.
Na paz,
+W