Entre outras coisas que faço como ministro do Evangelho, procuro entender os tempos em que vivo, os tempos que estão por vir e quais desafios a Igreja tem de enfrentar para melhor cumprir com a sua missão – literalmente, com a sua razão de existir. Sim, porque há uma razão pela a existência da Igreja.
A Igreja é o Corpo de Cristo, a expressão viva, progressiva, presente e profética do Reino de Deus neste mundo. A Igreja reúne tanto o cumprimento da obra da cruz no coração humano e encarnada em comunidade, quanto a promessa de algo que ainda está por acontecer – a redenção de todas as coisas constituindo um novo céu e uma nova terra.
A Igreja passa por muitas fases e mutações ao longo dos séculos. Isso acontecerá até que Cristo volte. Houve um século de concílios no qual a Igreja procurou entender as máximas da sua fé. Grandes reuniões de líderes debruçados sobre perguntas referentes à natureza de Cristo e a Trindade pontuaram as primeiras gerações.
Houve a época de busca por uma espiritualidade genuína face à corrupção que nasceu das facilidades oferecidas pelo Império Romano. Esta busca deu início ao movimento monástico que teve seu início no deserto: pessoas iam para o deserto, fugindo da cidade corrupta, buscando formar comunidades nas quais poderiam viver mais genuinamente a sua fé e observando disciplinas como silêncio, oração, contemplação e serviço.
Houve tantas outras fases, certamente. Mas vou pular para os dias atuais. O que está acontecendo com a Igreja, e mais especificamente, o que está acontecendo no Brasil. Muitos no Brasil tentam achar referências no primeiro mundo. Mas creio que isso só pode nos ajudar em parte. Temos que olhar para a nação cristã no Brasil, pois além de história eclesiástica e teológica, temos um contexto que, embora seja reflexo de muito do que acontece em outros lugares do mundo, tem contornos próprios. Não creio que teologia tenha que nascer do chão como argumentam os adeptos da Teologia da Missão Integral. Teologia tem que nascer das Escrituras. Mas sua aplicação tem que levar em conta os tempos e desafios do seu contexto, a saber, o Brasil do século 21 (pelo menos no que diz respeito a nós que somos cidadãos deste tempo e lugar).
Um dos desafios mais claros para mim, no momento atual, é o da a Igreja achar um fundamento claro no que diz respeito a seu discurso público. Não estou falando de política, embora não excluo por completo ponderações sobre os meandros do poder público. Estou falando sobre como expressar a vida na sua plenitude à luz da fé cristã. Cidadania é um assunto nosso? Boas práticas sociais fazem parte? A mordomia do nosso dinheiro é assunto a ser visto pela Igreja? A Igreja deve se refugiar ou deve se engajar? Devemos levantar a voz sobre o que?
A pergunta é relevante e apresenta um questionamento ainda mais básico. Há algo que explique e reúne todas as coisas dentro de uma visão clara e coerente? Há um fio condutor para a vida em todas as suas expressões? Existe uma espécie de “teoria de tudo”? Abraham Kuyper disse que não existe um centímetro quadrado neste mundo todo que Deus não possa dizer “isto também é meu”. Se isso é verdade, então temos que ver tudo à luz de Deus, não apenas como o Criador de tudo, mas como aquele que criou, ordenou, sustenta e conduz, e tem a palavra final sobre como tudo deve ser. A teoria de tudo, portanto, não é uma teoria, propriamente, mas é uma pessoa. Como fiéis a esta pessoa, portanto, temos que entender como Ele se relaciona a tudo e consequentemente como nós também devemos fazê-lo.
Isto redunda necessariamente num discurso público coerente e cristão. Mas para isso existir, temos que poder traduzir em termos paroquiais (tanto para o indivíduo, quanto para o Corpo de Cristo) noções claras sobre o mundo ao nosso redor, dentro e fora da igreja. Em suma, temos que pensar bem mais sobre a cosmovisão e o discurso público da Igreja.
Este desafio não elimina outras urgências fundamentais tais como uma devocionalidade verdadeira, uma volta a fundamentos bíblicos e teológicos, e uma renovada descoberta e compromisso com a assembleia dos santos que leva a uma membresia atuante e dedicada. Mas, não deixa de ser algo que devemos negligenciar. Mentes alertas e preparadas: ao trabalho!