Não foi uma nem duas vezes que fui criticado por discutir questões polêmicas de teologia. A crítica, quase sempre, apela para a necessidade imperiosa de unidade na Igreja. É certo que unidade é algo fundamental na igreja de Cristo. Em João 17 constatamos que a necessidade de união foi fundamental na oração sacerdotal de Nosso Senhor. Ele pediu que fôssemos um assim como ele e o Pai o são (que pedido extraordinário, por sinal). As coisas que impedem tal união, portanto, devem ser vistas como obstáculos à união e à vontade expressa do Mestre. Não há dúvida. E sua importância relativa precisa ser medida frente à prioridade de unidade. Sim, pois união não é a única prioridade que Cristo nos deixou. Não é uma meta “absoluta” e independente de outras que o Evangelho afirma. Em todo caso não podemos ser pedras de tropeço e motivadores de desunião – isso é certo. Mas, a desunião nem sempre é algo que provocamos, tanto quanto é algo que constatamos por meio de diferenças irreconciliáveis. A pergunta que não cala para todos que velam pela união do corpo de Cristo, portanto, deve ser: o que constitui uma diferença irreconciliável?
Há dois polos na igreja de hoje no tocante à união. Há quem defenda que todos somos um e que nenhuma diferença de credo, prática, forma ou convicção deve ser motivo de afastamento de qualquer um que se diz cristão. No extremo oposto há quem diga que os únicos que merecem o título “cristão” são aqueles que afirmam a sua posição teológica, cúltica, regimental etc. De um lado temos os que são praticamente universalistas. Convicções teológicas são, para eles, empecilhos para a livre expressão de Cristo e o livre trânsito entre os filhos de Deus. Por outro lado, temos os sectários que nem reconhecem Cristo no próximo, a não ser que este seja exatamente como eles são (alguns chegam ao extremo de incluir neste crivo até questões raciais).
É claro que a maciça maioria vive em algum lugar no meio. Nunca chegariam às vias de fato, afirmando que alguém que se diz cristão nem o é. Mas, ao mesmo tempo guardam no coração uma dúvida sobre a sua salvação, devido a alguma diferença que agride suas convicções pessoais.
Como devemos pensar sobre isto? O apóstolo Paulo tocou neste assunto na sua segunda carta a Timóteo. No fim do segundo capítulo ele falou sobre a necessidade de nos afastarmos de discussões inúteis. Ao procurar nos afirmar como obreiros aprovados, devemos ter cuidado com os que se afastam da fé verdadeira. O erro é claramente o resultado de uma armadilha do Diabo. Devemos, portanto, procurar corrigir com toda mansidão e paciência. Aqui fica claro que não devemos nos calar, mas devemos procurar promover a sã doutrina sempre. Isso pode levar a discussões vigorosas, mas que são necessárias para ajudar quem está em erro.
Por outro lado, Paulo diz (capítulo 3) que devemos nos afastar de quem se diz cristão, de quem parece cristão, mas que não vive como cristão. O seu comportamento deve ser um crivo de comunhão. É claro que devemos andar com pecadores, assim como o Nosso Senhor o fez. Mas, não devemos andar com quem se diz cristão mas vive como um ímpio. Dois pesos, duas medidas? De certo modo sim. Uma vez fazendo parte do Corpo de Cristo há uma necessária comunhão entre irmãos que estão caminhando na fé. Mas, se alguém se diz irmão sem de fato caminhar de maneira cristã, as diferenças são irreconciliáveis.
É certo que Cristo é o crivo maior. Há quem se diz cristão que não afirma Cristo, nem a sua sagrada palavra com tudo que isso compreende. Quem se diz Cristão tem que ser cristão. E ser cristão não se resume numa afirmação simples, como alguém que afirma seu time de futebol. Tem que ser, tem que estar, tem que praticar e tem que abraçar tudo que vem com a verdadeira fé em Cristo. Se não, não é cristão. Parece mas não é. E isto é uma diferença irreconciliável para quem realmente ama o Seu Senhor. O assunto não é simples. Portanto, fica essa palavra como um bom ponto de partida e de reflexão.