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AS PRIMEIRAS COISAS PRIMEIRO – CONCEITOS ELEMENTARES SOBRE COSMOVISÃO (III) | Por Marcelo Maia

Na definição de cosmovisão de James Sire, apresentada no artigo anterior, um termo importantíssimo aparece logo no início: CORAÇÃO. Como já dissemos, cosmovisão não se trata tanto de um sistema racional, com proposições, regras, argumentos, mas sim de uma disposição do coração. Mas, o que é o coração? Como ele determina nossa visão de mundo?

Herman Dooyeweerd, também holandês e herdeiro da tradição kuyperiana, ensina que o coração é o centro existencial do ser humano e que, por isso, controla todos os nossos impulsos religiosos.

É necessário nos voltarmos para o livro do Gênesis para entendermos melhor o que isso significa. Lá, tomamos conhecimento de que Deus criou o ser humano para ter um relacionamento com Ele, ou seja, o ser humano é, na sua raiz existencial, um ADORADOR.

A queda deformou profundamente o nosso coração adorador, a ponto dele se voltar para os ídolos, para as criaturas (v. Rm. 1.18-31). No entanto, mesmo em nosso estado caído, não deixamos de ser adoradores. E, se não adoramos o Deus vivo e verdadeiro, iremos adorar qualquer outro elemento da criação, colocando-o no lugar de Deus.

Assim, nosso coração – religioso em sua essência – ou se volta para os ídolos (estado natural de pecado) ou se volta para o verdadeiro Deus (por meio da conversão produzida pelo Espírito Santo).

Ouçamos o que o pastor Fabiano Almeida leciona sobre o filósofo holandês:

Segundo Dooyeweerd, “motivos básicos religiosos” seriam impulsos religiosos que atuariam no coração humano, funcionando como uma “força motriz” responsável pelo direcionamento religioso do indivíduo e da sociedade. Eles seriam responsáveis em inspirar todas as ações humanas, inclusive a maneira como o mundo deve ser visto e interpretado. Por serem de caráter fundamentalmente religioso, esses motivos básicos teriam o seu centro de atuação no coração humano, de onde estenderiam a sua influência a toda a sociedade, pois desse centro privilegiado eles não somente exercem o seu controle sobre a existência individual humana, como passam a toda a coletividade, determinando assim a direção religiosa de todos os empreendimentos culturais.[1]

Dooyeweerd termina sua fala acima mencionando a expressão “empreendimentos culturais”, os quais são fruto da inclinação do coração a um motivo básico religioso.

Vamos voltar ao Gênesis, agora ao cap. 2. Lá ouvimos Deus ordenar “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra” (1.18).

Eis aqui o que costumamos chamar de MANDATO CULTURAL.

Ensina Andrew Sandlin sobre o tema:

O homem interage com a criação de Deus para impor a vontade de Deus a ela com amor. O homem não a abandona: ele interage com ela, adicionando sua criatividade e habilidade concedidas por Deus – para aperfeiçoa-la. Isso significa que, embora a criação procedente da mão divina fosse “muito boa” (Gn. 1.31), ela ainda não era tudo que Deus pretendia. Em suma, a criação não era suficiente; Deus também queria a cultura.”

Portanto, o homem deveria executar o mandato divino e colocar todo o produto de sua ação aos pés do Criador. Esse era um trabalho movido por seu coração adorador.

Com a queda, o homem não abandona o mandato cultural. Vemos prédios sendo erguidos, sinfonias sendo compostas, filhos sendo criados, aulas sendo ministradas, eleições sendo convocadas. Porém, por ser o mandato cultural um ato religioso, um ato do coração, o homem em seu estado natural de pecado não glorifica a Deus com seus artefatos culturais. A glória é dada a outrem.

Com isso em mente, podemos chegar a uma conclusão simples, porém essencial: só há dois tipos de coração – o que honra a Deus e o glorifica e o que se rebela voltando-se para um ídolo. Consequentemente, só há dois tipos de cosmovisão: aquela que, embasada na Bíblia e tendo Jesus Cristo como centro, concebe o mundo conforme Deus nos revela nas Escrituras; ou aquela que, rejeitando a revelação de Deus, se forma a partir de um compromisso idólatra.

Novamente, devemos recorrer ao ensaio do Pr. Fabiano:

De acordo com Dooyeweerd, após a queda passou a haver uma irreconciliável antítese religiosa no mundo representada por dois tipos de motivos básicos religiosos. O motivo básico revelacional, que trabalha no coração do homem reconduzindo a sua vida e todos os seus afazeres para a glória de Deus, e os motivos básicos da apostasia, que desde a queda têm levado o homem à rebelião contra o seu Criador na deificação dos aspectos relativos da criação.[2]

Isso nos ajuda a pensarmos sobre o termo cultura. Cito Henry Van Till, em seu excelente livro O Conceito Calvinista de Cultura:

Cultura: Atividade do homem portador da imagem de Deus, pela qual ele executa a ordem dada na criação, de cultivar a terra, dominá-la e sujeitá-la. O termo também se aplica ao resultado de tal atividade, ou seja, ao ambiente secundário adicionado à natureza pelo esforço criativo do homem. Sendo o homem um ser essencialmente religioso, é uma expressão de seu relacionamento com Deus, ou seja, de sua religião.[3]

Portanto, não é possível cultura e cosmovisão cristãs sem um coração regenerado pelo Espírito, que nos faça glorificar a Deus por meio de Jesus Cristo.

Mas, será que a cultura foi totalmente corrompida? Se os corações não regenerados ainda estão arraigados a um motivo básico que é religioso, é possível ter um pensamento neutro, desapegado de pressupostos religiosos? Estes são os assuntos do próximo artigo.

[1] http://monergismo.com/wp-content/uploads/dooyeweerd-apresentacao-panoramica_fabiano-almeida.pdf

[2] http://monergismo.com/wp-content/uploads/dooyeweerd-apresentacao-panoramica_fabiano-almeida.pdf

[3] VAN TILL, Henry. O Conceito Calvinista de Cultura. São Paulo: Cultura Cristã.

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