Muitos já deram uma resposta adequada a essa pergunta. Sejam elas longas, reunidas em livros, ou curtas, afirmadas em aulas e oficinas sobre o tema. Mas, de tudo o que li até então, nenhuma explicação sobre as qualidades e a natureza de um sermão é tão bela quanto a que transcrevo abaixo. Trata-se de um trecho de autoria do padre jesuíta Antônio Vieira (1608-1697).
Vieira se notabilizou por desenvolver a prosa do período barroco e, embora fosse um opositor ferrenho do protestantismo, deixou-nos importantes lições sobre a arte de pregar no conhecido Sermão da Sexagésima, de 1655. Vamos ouvi-lo então:
“Há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se conheça; há de dividi-la para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas; há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.
Não nego nem quero dizer que o sermão não haja deter uma variedade de discursos, mas esses hão de nascer da mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isso com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, são ramalhetes. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar “árvore da vida”, há de haver o proveitoso do fruto, o formoso da flores, o rigoroso das varas, o vestido da folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen.
Eis aqui como hão de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com eles.”
Que sua semeadura seja frutífera.