por Rev. Nelson
A teoria da substituição penal é o ponto de vista sustentado pelos teólogos de linha reformada, que dessa forma explicam o significado da morte de Cristo. De acordo com essa perspectiva, declara-se que Cristo suportou em nosso lugar a total penalidade que deveríamos pagar. Sua morte vicária, totalmente em favor dos outros, significa que Ele sofreu, não meramente para nosso benefício ou vantagem, mas no nosso lugar.
Essa nomenclatura “substituição penal”, não aparece no contexto geral das Escrituras, mas é possível entende-la claramente a partir das Escrituras. H.D. Mcdonald esclarece o seguinte a respeito disso: “Portanto percebemos que Cristo representa o caráter do pecador criminoso enquanto, ao mesmo tempo, sua inocência resplandece e torna-se manifesto que ele sofre pelo crime de outro e não pelo seu próprio”.[1]
É possível observarmos alguns textos bíblicos que nos darão essa ideia para que compreendamos melhor à luz da palavra de Deus a importância de se crer dessa forma (Is.53.1-14; Rm5.5,8; Gl3.13).
A culpa que nos tornou sujeitos à punição foi transferida para o filho de Deus. Todavia, ele mesmo não tinha pecado algum. Jesus morreu como o único culpado sem ter pecado nenhum; o próprio Pilatos condenou-o reconhecendo que Ele não tinha nenhuma falta.
Após uma rápida abordagem nas teorias da Expiação, vejamos agora o que ela significa e o por quê foi necessário que Cristo morresse. Qual é a causa da expiação? É esse um conceito bíblico?
Explicação e Base bíblica
Podemos definir expiação como: a obra que Cristo realizou em sua vida e morte para obter nossa salvação. Essa definição indica que usamos a palavra expiação num sentido mais amplo em que às vezes é utilizado. Ela é usada para demonstrar que Jesus fez muito mais do que morrer e pagar os nossos pecados na cruz. Ele adquiriu benefícios salvíficos magníficos por meio de sua morte.
Causa e Necessidade da Expiação
O amor livre e soberano de Deus foi quem O levou a enviar Jesus seu Filho para pagar a nossa dívida. Esse amor é nascido na vontade soberana de Deus, a atitude de Deus em salvar pecadores é o produto de seu prazer cheio de amor (Cl1.19-23; Gl1.3-4; Ef1.4-5; Is53.10-12).
Mas não se pode perder de vista o seguinte: o amor de Deus não pode ser dissociado de Sua Justiça santa. A Escritura Sagrada nos mostra mais abrangentemente que a vontade de Deus – salvar pecadores com uma expiação substitutiva – estava alicerçada no amor e na justiça de Deus. Foi o amor de Deus que providenciou um meio de livramento para os pecadores perdidos serem justificados por intermédio de Cristo (Jo3.16; Rm5.1). O que percebemos é que tanto o amor quanto a justiça de Deus, foram a causa da expiação (Rm3.26; Rm3.24,25).
Necessidade da Expiação.
Havia outra maneira de Deus salvar os seres humanos além de mandar seu Filho para morrer em nosso lugar? Antes de responder esta pergunta é preciso dizer que Deus não tinha necessidade nenhuma de salvar ninguém. Deus se basta; Deus é Auto-Suficiente e não precisa dos homens para nada.
Percebam que quando os anjos pecaram, Ele não os poupou do castigo, ao contrário, precipitou-os no abismo de fogo; no inferno (2 Pe 2.4). Como fez com os anjos, poderia ter feito conosco, e ainda assim nada de errado teria havido com Sua justiça.
Deus poderia ter escolhido não ter salvado ninguém e, olhando por esse lado, a expiação não era absolutamente necessária. Por outro lado, uma vez que Deus, em seu amor, decidiu salvar alguns seres humanos, então várias passagens nas Escrituras indicam que não havia outra maneira de Deus salvar, senão através da morte de Seu Filho. Portanto a expiação não era absolutamente necessária, mas como conseqüência da decisão divina de salvar alguns homens, a expiação era absolutamente necessária.
John Murray ajuda-nos nessa questão dizendo:
“Em uma palavra, embora não fosse inerentemente necessário que Deus salvasse, todavia, desde que a salvação foi propositada, era necessário assegurar esta salvação através de uma satisfação que pudesse ser realizada somente através de um sacrifício substitutivo e uma redenção adquirida por meio de sangue”. [2]
Portanto vemos que seria impossível para Deus salvar os homens senão por meio desse decreto eterno de enviar seu Filho Jesus. Isso não nos faz limitar Deus de alguma forma. Ao contrário, fazendo assim mostramos que aquilo que significa não poder para Deus, é para Sua glória e Santidade. Ex: Deus não pode mentir, Deus não pode agir contra as Palavra, e conseqüentemente Deus não pode salvar o homem sem que Cristo viesse para morrer por ele.
Novamente cito John Murray para nos esclarecer o seguinte:
“…a Escritura nos fornece evidências ou considerações pelas quais podemos concluir que esta é uma das coisas impossíveis ou necessárias para Deus; impossível que ele salve pecadores sem sacrifício vicário e inerentemente necessário, portanto a salvação, livre e soberanamente determinada, seria realizada somente pelo derramamento do sangue do Senhor da glória”.[3] Ver Hb2.10,17; Hb1.1-3;2.9-18; 9.9-14,22-28.
O que a lei foi incapaz de fazer por causa da enfermidade de nossa natureza, Deus fez por meio de Cristo. A perdição eterna à qual todos os homens estavam expostos e o remédio dado por Deus em Cristo, como prova de Seu amor, indicam que não havia outra alternativa para a salvação do pecador, senão pela morte expiatória de Jesus, e isso porque Deus determinou fazer dessa maneira. Ver 1 Pe 1.19.
A Natureza da Expiação.
Ao tratarmos da natureza da expiação, convém tentar descobrir alguma categoria abrangente sob a qual os vários aspectos do ensino bíblico possam ser agrupados. Aqui, procuraremos considerar tanto a obediência de Cristo, quanto alguns termos que a Escritura Sagrada expõe com referência à obra expiatória de Cristo, tais como: sacrifico, propiciação, reconciliação e redenção; Analisando também o uso das preposições gregas nesse particular.
A Bíblia considera a obra de Cristo em termos de obediência, e emprega este termo ou conceito que ele envolve com uma freqüência suficiente para justificar a conclusão de que esta obediência é genérica, e, portanto, bastante abrangente, a ponto de ser vista como o princípio que unifica ou integra.
Ao olharmos para Is 53, vemos naquele texto singular do V.T. que ele delineia todo o curso da expiação de Cristo, mostrando-o com um papel ímpar de servo sofredor. Is 52.13. Jesus mesmo define o propósito de sua vinda ao mundo em termos que transmitem precisamente a conotação de servo: Jo 6.38; Jo110.17,18; Rm5.19; Fl2.7-8; Gl4.4; Hb5.8-9; 2.10. Esta obediência de Cristo tem sido constantemente qualificada como obediência passiva e obediência ativa. Vejamos o que isso significa.
Obediência ativa
Tenhamos o seguinte em mente: se Jesus tivesse conseguido só o perdão dos pecados por nós, não mereceríamos o céu. Nossa culpa teria sido removida, mas estaríamos simplesmente na posição de Adão e Eva antes de terem feito qualquer coisa boa ou má, e antes de terem passado um tempo de provação com sucesso.
Para serem estabelecidos em justiça para sempre e terem assegurada a sua eterna comunhão com Deus, Adão e Eva tinham de obedecer a Deus de modo perfeito por um período de tempo. É necessário que o homem seja encontrado justo diante de Deus para merecer a vida eterna, porém, isso lhe é impossível por causa de sua incapacidade de obedecer a Deus plenamente.
Cristo por sua vez fez isso. Jesus tinha de viver uma vida perfeita de obediência a Deus a fim de que pudesse obter justiça por nós. Cristo tinha de obedecer à lei ao longo de toda a sua vida por nós, de modo que os méritos de sua perfeita obediência fossem contados em nosso favor (Fl 3.9). O apóstolo Paulo sabia que o que ele precisava era de uma justiça moral positiva, e isso não podia vir dele mesmo, mas somente por intermédio de Jesus (1Co1.30. Rm5.19).
Cristo não morreu ‘simplesmente’ por nossos pecados, ele fez muito mais do que isso, ele guardou todos os princípios da lei de Deus, não tropeçando em nenhum deles para assim oferecer justiça diante de Deus por nós. Grudem nos mostra isso dizendo:
“Alguns teólogos não têm ensinado que Cristo precisava manter um registro vitalício de obediência perfeita por nós. Têm enfatizado apenas que Cristo tinha de morrer e, dessa forma, receber o castigo pelos nossos pecados. Mas tal posição não explica de modo adequado por que Cristo fez mais do que apenas morrer por nós; ele também se tornou nossa justiça diante de Deus. Jesus disse a João Batista, antes de ser batizado por ele: convém cumprir toda a justiça -Mt 3.15”.[4]
Se Cristo não tivesse prestado uma obediência ativa, a própria natureza humana de Jesus teria ficado aquém das justas exigências de Deus, e Cristo não teria competência para fazer expiação a favor de outros.
Jesus não tinha nenhuma necessidade de viver vida de obediência perfeita para Seu próprio bem, ele havia compartilhado amor e comunhão com o Pai por toda a eternidade e era o seu próprio caráter eternamente digno da boa vontade e deleite do Pai. Então por que é que Jesus teve de colocar-se como cumpridor de todos os princípios da lei?
Por nossa causa, para cumprir aquilo que não pudemos fazer; para fazer por nós o que não temos competência para fazermos por nós mesmos. Se ele não tivesse obedecido por nós, jamais poderíamos receber o favor de Deus. Rm10.3-4; 8.3-4; 2Co5.21.
Obediência Passiva
Além obedecer à lei de modo perfeito por toda a sua vida em nosso favor, Cristo tomou também sobre si mesmo os sofrimentos necessários para pagar a penalidade pelos nossos pecados. Num sentido mais amplo, a pena que Cristo suportou ao pagar nossos pecados foi um sofrimento tanto em seu corpo como em sua alma ao longo de toda a sua vida aqui na terra. Embora os sofrimentos de Cristo tenham culminado em sua morte sobre a cruz, toda a sua vida num mundo caído envolveu sofrimento.
Os sofrimentos de Cristo não lhe sobrevieram acidentalmente, nem como resultado de circunstâncias puramente naturais. Foram lançados judicialmente sobre ele como nosso representante que foi. E portanto, não ocorreram no âmbito do imaginário, ao contrário, foram sofrimentos reais e penais.
A obediência passiva refere-se ao ato de Cristo ter sofrido por nossos pecados, mas, de modo específico, refere-se à sua morte judicial e representativa na cruz. A obediência passiva não quer dizer que ele tenha sido derrotado, destruído, vencido pela morte, mas sim que Ele deixou-se morrer, cumprindo dessa forma o plano previamente estabelecido por Deus (Jo 10.17-18).
A palavra passiva não deve ser entendida como significando passividade pura em tudo o que aconteceu a Ele, mas sim que Ele não reagiu contrariamente ao que veio sobre si mesmo, no clímax do Seu castigo substitutivo, porque ele veio justamente para isso. Foi pela obediência que ele garantiu a nossa salvação, porque foi pela obediência que ele realizou a obra que a garantiu. A obediência passiva de Cristo pode ser vista em passagens como essas: IS53.6; Rm4.25; 1Pe2.24; 3.18; 1Jo2.2. Como John Murray belissimamente disse:
“Obediência, pois, não é algo que pode ser concebido de forma artificial ou abstrata. É a obediência que atraiu todos os recursos da sua humanidade perfeita, obediência que residia em sua pessoa, e obediência da qual ele é eternamente a incorporação perfeita. A obediência encontra nele a sua virtude e eficácia permanentes. E nós tornamo-nos os beneficiários dela, de fato participantes dela, em virtude de nossa união com ele. É isto que serve para fazer conhecida a importância daquilo que é a verdade central de toda a soteriologia, a saber, união e comunhão com Cristo”.[5]
A. A. Hodge também tem muito a colaborar conosco ao dizer o seguinte:
“Cristo, por sua obediência e morte, pagou plenamente a dívida de todos aqueles que são assim justificados e fez uma satisfação consumada, real e plenária à justiça de seu Pai no interesse deles”.[6]
Com isso devemos entender o seguinte: a obediência passiva se refere à penal e a obediência ativa à preceptiva. A obediência de Cristo foi vicária no sentido de que ele carregou todo o juízo de Deus derramado sobre o pecado, e foi vicária no pleno cumprimento das exigências da justiça. A sua obediência tornou-se a base da remissão do pecado e da verdadeira justificação.
Analisemos agora algumas outras categorias específicas por meio das quais a Escritura revela a natureza da expiação.
Sacrifício.
Que a obra de Cristo deva ser interpretada como um sacrifício, é o ensino claro do NT. Mas a pergunta a ser feita é esta: qual a noção de sacrifício que governa o uso abrangente deste termo em sua aplicação à obra de Cristo? Para respondermos esta pergunta precisamos saber qual o conceito ou a noção de sacrifício adotada pelos proclamadores e escritores do NT. Conjuntamente a essa pergunta devemos fazer outra que também vai nos clarear a compreensão de forma maior: Qual o conceito veterotestamentário de sacrifício?
Essa pergunta tem suscitado muita discussão no meio teológico, mas podemos afirmar confiantemente que os sacrifícios veterotestamentários foram basicamente expiatórios. Isto significa que eles se referiam ao pecado e à culpa. John Murray colabora dizendo:
“O sacrifício foi a provisão divinamente instituída por meio da qual o pecado podia ser encoberto e a sujeição à maldição e ira divinas removidas”.[7]
Isso significa que quando o adorador veterotestamentário trazia ao altar a sua oferta, a sua pessoa era substituída por um animal como vítima e pela imposição de mãos sobre a cabeça da oferta, o ofertante transferia simbolicamente para a oferta o seu pecado e sua responsabilidade. Este é portanto o ponto central no qual a transação era realizada. Murray esclarece isso dizendo:
“A noção em essência estava no fato de que o pecado do ofertante era imputado à oferta, e esta recebia a pena de morte como resultado. Ele era como que o pára-raio substitutivo da penalidade ou responsabilidade que o pecado merecia”.[8]
Todas essas ofertas oferecidas no VT, eram apenas sombras e figuras. Contudo, a noção de expiação é evidente, e esta significação expiatória fornece a base para a interpretação do sacrifício de Cristo. A obra de Cristo é expiatória, sem dúvida expiatória com uma transcendente virtude, eficácia e perfeição que nunca poderia aplicar-se a novilhos e cabritos, porém expiatória segundo as figuras apresentadas no sacrifício ritual do VT.
Para Deus, isto significa que no grande e imaculado sacrifício que Cristo ofereceu, os pecados e responsabilidades daqueles em cujo lugar ele se ofereceu foram transferidos para ele. Novamente quero citar John Murray, que diz:
“Pelo motivo desta imputação, ele sofreu e morreu, o justo pelo injusto, para que pudesse trazer-nos à presença de Deus. Por um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre todos aqueles que são santificados”.[9]
Alguns textos citados agora, farão um coro ainda maior para que entendamos melhor a provisoriedade dos sacrifícios do VT e a perfeição absolutamente plena da obra de Jesus: Hb 9.6-15; 13.10-13; 9.23-24.
Ao oferecer-se a si mesmo como sacrifício, não podemos negligenciar o fato de por ele ter feito isso, ele também é o sacerdote. O sacerdote não se oferecia, assim também como a oferta por si só não se oferecia, contudo, em Cristo temos esta combinação singular que serve para demonstrar a unicidade de seu sacrifício, o caráter transcendental de seu ofício sacerdotal e a perfeição inerente em sua oferta sacerdotal.
Propiciação.
A palavra grega que foi traduzida como propiciação, não aparece com freqüência no NT. Este fato pode causar estranheza, especialmente quando consideramos que ela aparece com mais intensidade na tradução grega do VT, que em nossas versões é a palavra expiação. Creio que deva ser por isso que Charles Hodge disse que: “Expiação e propiciação são termos correlativos”. [10]
A palavra que é tão comum no grego do AT, em conexão com o ritual de expiação, não foi usada tanto pelos escritores do NT. Contudo isso não significa que a obra de Cristo não deva ser interpretada em termos de propiciação, mesmo porque há textos neotestamentários que usam muitíssimo essa palavra aplicada à obra de Jesus: Rm 3.25; Hb 2.17; 1 Jo 2.2; 4.10. Isso significa, sem qualquer dúvida, que a obra de Jesus deve ser analisada como obra de propiciação por seus eleitos. Considerando a questão dessa palavra aparecer mais no AT do que no NT, não anula o significado da obra de expiação, ao contrário isso só denota. Sobressai-se a obra de Cristo, pois mostra que a figura dos sacrifícios é necessariamente interpretado como propiciação.
O Objetivo disso é dizermos que sacrifício e propiciação permanecem juntos, e é por isso que os escritores neotestamentários usam a palavra confirmando que a ideia de propiciação é tão entretecida na estrutura do ritual veterotestamentário que seria impossível entender aquele ato como figura do sacrifício de Cristo, se a propiciação não ocupasse lugar semelhante e único no maior e mais perfeito de todos os sacrifícios. Porém qual o significado de propiciação? Qual é o seu sentido? John Murray esclarece isso dizendo:
“No hebraico do Velho Testamento, ela se expressa por uma palavra que significa cobrir. Em conexão com esta cobertura, existem três fatos específicos que devem ser observados: (1) é sempre em referência ao pecado que se dá esta cobertura; (2) o efeito desta cobertura é a purificação e o perdão; (3) é perante o Senhor que se dá tanto a cobertura como seu efeito (veja-se especialmente LV4.35; 10.17; 16.30).”[11]
O que será que isso significa? Significa que o pecado cria uma situação em relação ao Senhor, uma situação que faz a cobertura necessária. Esta referência a Deus em conexão com o pecado, bem como à cobertura dele, precisa ser plenamente apreciada. No pensamento do VT, há uma só interpretação que podemos dar a esta provisão do ritual do sacrifícios: é o pecado que provoca o santo desprazer ou a ira de Deus. A vingança é a reação da santidade de Deus contra o pecado, e a cobertura é a providência que remove este santo desprazer provocado pelo pecado.
Dessa forma podemos abranger o significado de propiciação ao seguinte: propiciação significa aplacar, pacificar, conciliar, acalmar; sendo que é este o pensamento que é aplicado à expiação realizada por Jesus o Senhor. Murray afirma:
“Propiciação pressupõe a ira e o desprazer de Deus, e o propósito da propiciação é a remoção deste desprazer. Em termo simples, a doutrina da propiciação significa que Cristo propiciou a ira de Deus convenceu a Deus a ser propício para com seu povo”.[12]
Podemos então perceber que esta propiciação é produto, ou melhor, é o fruto do amor divino que a providenciou (1 Jo4.10). A propiciação é a base sobre a qual o amor divino opera e o canal pelo qual ela flui para alcançar os seus devidos fins: cobrir a ira do próprio Deus e efetuar justiça por nós seu povo eleito (Rm 1.18, 1 Jo 2.1,2). Como disse Murray:
“A expiação é aquele ato que satisfaz as exigências de santidade e justiça. A ira de Deus é a reação inevitável da santidade divina contra o pecado”.[13]
O pecado causa ojeriza em Deus, que pois é oposto a Sua perfeita santidade, com isso o que lhe resta é repeli-lo pelo fato disso contradizer Sua pessoa.
Reconciliação.
A propiciação focaliza nossa atenção na ira de Deus e na provisão divina para a remoção dessa ira, porém a reconciliação focaliza o nosso interesse na nossa alienação de Deus e no método divino para nos restaurar à Sua presença. O que a reconciliação pressupõe é exatamente a interrupção nas relações entre Deus e o homem. Ela subentende inimizade e alienação sendo que essa alienação não é unilateral, ao contrário, é bilateral porque se refere a alienação nossa para com Deus, e a alienação de Deus para conosco (Is 59.2).
Inferimos disso o seguinte: que a reconciliação se limita não apenas à santa inimizade de Deus contra nós, mas também à nossa ímpia inimizade contra ele. Esse pensamento não é fictício, ao contrário, essa palavra no NT parece nos dar base para esse tipo de afirmação. Vejamos alguns textos que dizem que nós é quem somos reconciliados com Deus: Rm 5.10,11; 2 Co 5.20. Mas quando a voz ativa é empregada, é Deus quem nos reconcilia consigo mesmo: 2Co5.18,19; Ef2.16; Cl1.20,21. Ao observarmos esse ponto não podemos passar desapercebidos para entendermos então que há dois tipos de reconciliação, chamadas de reconciliação objetiva e reconciliação subjetiva.
A reconciliação objetiva, tem haver com o ato único de Deus, em se reconciliar conosco. A reconciliação objetiva é a remoção da ira de Deus, efetuada pelo próprio Deus, quando Ele mesmo destruiu a barreira de separação entre Ele e nós, por meio de Cristo, nos permitindo entrar novamente diante de Sua presença. Esse ato é puramente de Deus, depende única e exclusivamente Dele, tem nascedouro em Sua vontade, parte Dele para conosco de forma ímpar e reconciliadora (Ef2.14-17). Heber Campos clareia ainda mais isso nos fazendo perceber que:
“A morte de Cristo na cruz foi a questão chave para que houvesse a reconciliação de Deus com ambos, já que estavam em inimizade entre si e com Deus e Deus com eles. A morte de Cristo destruiu a inimizade. Foi alguma coisa feita sem que eles antes tivessem qualquer atitude de fé ou de arrependimento. A ênfase da Escritura está na reconciliação objetiva”.[14] Cl1.19-22.
Não obstante a ênfase da Escritura ser na reconciliação objetiva, não significa, que a subjetiva não exista, ao contrário, a Bíblia também aborda essa questão, mais não como um princípio em si mesmo, mais decorrente de outro, ao passo que no texto lido de Cl, vimos que a reconciliação é feita unicamente por Jesus, em nada participando os homens.
Reconciliação Subjetiva, esta por sua vez está atrelada ao arrependimento e fé, que nos torna uma nova criatura e agora de inimigos passamos a ser amigos de Deus. Esse tipo de reconciliação é reflexa isto é, essa reconciliação é uma respostas positiva do homem com quem Deus estava em inimizade, não porque o homem tenha feito algo para lhe assegurar isso, mais sim que Deus o autor da reconciliação chama os homens para se reconciliarem com Ele (Rm 5.6-11).
O subjetivismo consiste em voltarmos para Deus, nos arrependendo do nosso pecado e crendo que estamos justificados diante de Deus por meio do sangue de Cristo. Mas isso só é possível por causa da morte de Cristo que derrubou a parede de inimizade, portanto, a ênfase da Escritura não é a capacidade humana, ao contrário, no poder de Deus, no seu amor, e no ato expiatório de Jesus. John Murray sintetiza isso muito bem dizendo:
“A reconciliação que a Escritura proclama, aquela consumada pela morte de Cristo, visa, pois, à relação de Deus conosco. Ela pressupõe uma relação alienatória e efetua uma relação de favor e paz. Esta nova relação é constituída da remoção da causa da alienação. A causa é o pecado e a culpa. A remoção é realizada na obra vicária de Cristo, quando ele foi feito pecado por nós, para que fôssemos feitos justiça de Deus. Cristo tomou sobre si o pecado e a culpa, a condenação e a maldição daqueles em cujo lugar morreu”.[15]
Redenção.
O conceito de redenção não deve ser reduzido à noção geral de libertação. A linguagem da redenção é a linguagem de aquisição e mais especialmente de resgate. E resgate é aquisição de um livramento mediante o pagamento de um valor.
A Escritura Sagrada nos mostra que redenção deve ser interpretada nestes termos: Mt 20.28; Mc 10.45. Isso leva três fatos que devem ser estabelecidos.
- a obra que ele veio realizar no mundo é uma obra de resgate;
- a doação de sua vida foi o preço do resgate;
- este resgate foi substitutívo em sua natureza.
Vejam o conceito de resgate para John Murray:
“Resgate pressupõe alguma forma de servidão ou cativeiro, e redenção implica, pois, na existência de um estado do qual o resgate nos liberta. Assim como o sacrifício é dirigido à necessidade criada por nossa culpa, a propiciação é dirigida à necessidade que surge da ira de Deus, e a reconciliação é dirigida à necessidade que surge por causa da nossa alienação de Deus, assim a redenção é dirigida à servidão à qual o nosso pecado nos entregou”.[16]
Agora, porém, os aspectos que a escritura julga a redenção realizada por Cristo para nosso benefício serão analisadas rapidamente abaixo, se não em sua completude, porém de forma que espero ser clara. A redenção se aplica a cada aspecto em que somos escravizados, e ela nos libera para uma liberdade que é a liberdade dos filhos de Deus.
A lei. Esse é um ponto que precisamos observar cuidadosamente, porque a Escritura não diz que somos redimidos da lei; haja vista que tal afirmação seria uma contradição à própria lei onde Deus nos manda amá-lo de todo coração e amar o próximo como a nós mesmos. A lei está compreendida nesses dois mandamentos: Mt 22.40 e o amor é o cumprimento da lei Rm13.10. Quando a bíblia relaciona a redenção com a lei de Deus, ela usa alguns termos que servem para especificar isto.
Maldição da Lei. Cristo nos resgatou da maldição da lei se fazendo maldição em nosso lugar (Gl 3.13). A maldição da lei se relaciona com as suas sanções penais, que é essencialmente a ira ou a maldição de Deus, o desprazer que pousa sobre cada infração das exigências da lei (Gl 3.10). Quando Cristo morreu substitutivamente por seu povo, Ele resgatou seu povo das penalidades da lei que é a maldição, assumindo em si mesmo essa maldição.
A lei cerimonial. Os homens do AT eram nascidos debaixo da lei cerimonial, tendo que cumprir todas as suas prescrições cerimoniais obedecendo a todos os rituais que indicavam algum tipo de salvação. A lei era quem os conduzia, eles eram tutelados, dirigidos por ela (Gl 4.2; Gl 3.23-24). O Verbo ao se encarnar torna-se praticante de todas as leis cerimoniais, com a finalidade de praticá-las. Por que Cristo praticou, e guardou toda a lei por nós, estamos livres da imaturidade e criancice à qual estávamos sujeitos.
A lei das obras. Cristo nos resgatou da obrigatoriedade de guardarmos a lei como a condição de sermos justificados e aceitos por Deus. Murray nos diz que: “Sem esta redenção não existiria justificação e nem salvação. É a obediência do próprio Cristo que garantiu esta libertação”.[17]
Em outras palavras, é a obediência ativa e passiva de Cristo que se constituiu no preço desta redenção, obediência ativa e passiva em virtude de ter ele nascido sob a lei, cumprindo todas as exigências da retidão e satisfeito todas as sanções da justiça (Rm 5.19).
Libertação do pecado. O sangue do cordeiro é o meio pelo qual fomos resgatados do pecado, que, ao morrer, pagou a penalidade do pecado. Cristo resgatou sua Igreja das penalidades de seu pecado por isso sua Igreja nunca mais terá de pagar nada. Não há culpa a ser jogada por cima dos filhos de Deus, e a corrupção que o poder do pecado exerce sobre nós também já foi completamente satisfeitos por Jesus (AT 20.28; Hb 9.12; Ap 5.9 ; 1 Co 15.56; Rm 4.15; Ef 1.14;4.30; Rm 8.30).
A redenção do poder do pecado pode ser chamado de aspecto triunfal da redenção. Em sua obra consumada Cristo fez de uma vez por todas o cumprimento de todas as exigências da lei; logo, aqueles que se unem a ele, estão completamente resgatados do poder do pecado, pois isso é atribuído a todos aqueles que morreram e ressuscitaram com Cristo (Rm 6.1-10; 2 Co 5.14-15; Ef 2.17; Cl 3.1-4 1 Pe 4.1-2). É o fato de ter morrido com Cristo na eficácia de sua morte e ter ressuscitado com ele no poder de sua ressurreição que garante a todo o povo de Deus a libertação do domínio do pecado (Rm 6.11).
Libertação do poder do Diabo. Cristo, ao morrer na cruz, derrotou terminantemente o diabo, que já não tem domínio sobre os filhos de Deus, pois Cristo o venceu completamente na cruz (Jo 12.31, Cl 2.15, Hb 2.14-15).
A obra de Cristo não destruiu somente satanás, mas também aquilo que estava sob o poder dele: a morte. Por causa do poder da morte que foi dado ao diabo, os homens o temiam. Após Cristo ter vencido-o por meio de sua obra, a morte para os cristãos deveria ser encarada como a libertação dos sofrimentos desta vida e a entrada dos crentes na presença de Deus (Lc 22.53).
Num breve resumo, o que vimos quanto a expiação de Cristo, foi que houve toda uma trajetória de situações que culminaram na morte de nosso Senhor Jesus. O ato expiatório de Cristo não deve ser visto somente na perspectiva de Sua morte, mas antes disso, na sua obediência ativa e passiva, sendo que o sacrifício, a propiciação, a reconciliação e a redenção são os aspectos de um todo organizado pela trindade, para que Jesus se torna-se um sacrifício perfeito substitutivo, cumprindo assim a justiça divina no lugar de seu povo.
Agora passaremos a um outro ponto desse trabalho, que servirá ainda mais ao objetivo de mostrar que a obra de Cristo foi completa e vicária.
A morte de Jesus é representativa sendo que sua expiação é tanto objetiva, quanto vicária. Objetiva, no sentido em que ela foi feita por Deus e o homem não tem nenhuma parcela de contribuição naquilo que Cristo pagou a Deus por nós. Vicária, no sentido de que Cristo cumpriu toda a justiça de Deus, em benefício de Seu povo. Nessa perspectiva essa obra é substitutiva, ou representativa. A justiça de Deus exigia que a penalidade fosse paga e Deus aceitou o fato de a penalidade ter sido assumida por outra pessoa, que não o pecador, mostrando assim, o amor misericordioso de Deus e ao mesmo tempo seu grandioso senso de justiça punindo os pecados dos homens.
A Bíblia nos ensina vários textos onde podemos ver, pelo uso das preposições gregas, a expiação vicária. As preposições são anti e huper, e tanto uma como a outra podem significar “por”, mas “huper” aparece mais vezes e sua conotação é: no lugar de; em favor de; pelo. Analisemos alguns.
– Em Mt 20.28 com certeza nestes dois textos essa preposição denota substituição. Em Lc 22.19-20 a palavra huper também aparece com um sentido de substituição. A conotação é “em favor de”, mais a substituição não pode ser eliminada pois o sentido é no mínimo duplo, pela própria ideia da palavra.
– No evangelho de Jo 15.13, a ideia da preposição também é de beneficio. Todavia é um beneficio feito de forma substitutiva. Em Rm8.32 vemos também o ato de substituição feito por Jesus pelo seus eleitos, onde Cristo nos livra de recebermos pessoalmente a ira de Deus. A palavra entregar neste verso, é expor a morte, e isso é ato substitutivo feito em lugar de seu povo.
– Já em Rm5.6-8, todas as vezes em que huper aparece ela nos dá entender que significa “em lugar de”. Nesse texto, o que se realça é o fato de Jesus ter morrido no lugar ou em favor de, sendo que essa última traz consigo a ideia de benefício, mas creio ser por causa do benefício da graça, pois a substituição em si é um benefício.
– Vejamos 2 Co 5.14-15. Aqui também a noção de substituição é clara. Jesus como o representante do povo, pagou os pecados deles com a própria morte. A morte vicária de Jesus, significa a morte dos favorecidos também para o pecado.
– O texto de 2Co5.20-21 é interessante, pois o uso de huper aqui, deve ser compreendida no lugar de Cristo. Nós cristãos, somos embaixadores no lugar de Cristo e representantes do ministério da reconciliação. A nós cabe a tarefa de anunciarmos a Cristo, que tomou nosso lugar na cruz.
– Precisamos observar ainda o texto de Gl3.13. Nesse verso, até a nossa tradução revista e atualizada é feliz em sua colocação textual pois é dito que ele se fez maldição em nosso lugar.
Heber Campos elucida o emprego destas preposições da seguinte forma:
“O significado desta preposição grega, portanto, deve ser determinado pelo seu contexto. Ela pode ser traduzida como benefício ou substituição. É algo imprudente dizer que huper sempre significa em benefício de ou que simplesmente significa “em lugar de”. Como em nossa língua portuguesa a preposição “por” possui dois significados, assim também acontece com a preposição grega “huper”. Ela pode denotar vantagem ou benefício, isto é, alguma coisa feita “em favor de”, ou pode significar substituição”.[18]
Mas o que não podemos esquecer é que Cristo tanto morreu “em” nosso lugar, quanto que “para” nosso benefício, e isso não implica em nenhum tipo de diminuição do objetivo das palavras que é ressaltar que a obra de Cristo é vicária.
A expiação é vicária e não pessoal. Se fosse pessoal o homem não poderia quitar sua dívida diante de Deus, por mais que ele pudesse morrer pelo seu próprio pecado, cumprindo assim a obediência passiva, jamais ele teria condições para cumprir toda a lei de Deus que é sua obediência ativa. A expiação pessoal é efetuada pela criatura caída e não pode causar nenhum resultado positivo, no resgate de pessoas ou de si mesmo (Sl 49.7-8). A expiação vicária é feita pelo próprio Deus, que por intermédio de seu filho derrubou a barreira da separação entre Ele e os homens.
A expiação pessoal é oferecida pela parte ofensora. A vicária, pela parte ofendida. Que Deus nos ajude a entendermos coisas tão belas e profundas presentes na Escritura Sagrada, e assim estejamos crescendo e amando a Deus cada dia mais, procurando compreender cada vez mais a sua maravilhosa graça e a sua estranha (por causa de nossa limitação em compreender), mas magnífica misericórdia.
[1] Donald Mackin, Grandes temas da tradição reformada, por H.D.Mcdonald in Modelos de Expiação na teologia reformada, Pendão Real, 1a ed.1999, p101.
[2] John Murray, Redenção Consumada e Aplicada, CEP, 1a ed 1993, p14 – John Murray (1898-1975) foi professor de teologia sistemática do Westminster Theological Seminary em Philadelphia de 1930-1966. Nasceu na Escócia, graduou-se em Glasgow, no Pirnceton Seminary Theological.
[3] Op Cit. P15.
[4] Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p474.
[5] John Murray, Redenção Consumada e Aplicada, p28.
[6] A .A .Hodge, Confissão de Fé de Westminster Comentada, Ed Puritanos, ed 1a 1999, p205.
[7] Murray, p29.
[8] Op cit, p29.
[9] Ibidem, p30.
[10] Charles Hodge, Systematic Theology, Ed Grand Rapids Michigan, 1979, VL 2 parti III, p478.
[11] John Murray, Redenção Consumada e Aplicada, p35.
[12] Ibidem, p35.
[13] Ibidem, p37.
[14] Heber Campos, Apostila de Cristologia, p40.
[15] Murray, op. Cit. P47.
[16] Iibidem, p48.
[17] Murray, op.cit.p50.
[18] Heber Campos, Apostila Cristologia, p21. Negrito acrescido por mim.
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