Longe de mim sugerir que você abandone a boa e higiênica prática de sempre lavar as mãos. Também não quero atacar o farisaísmo dos dias de Jesus, fazendo uma aberta crítica às antigas regras e rituais de purificação judaica. Não, minha intenção com este texto está bem mais perto do que ficou conhecido como a exclusão de Pilatos, o governador da Judeia que mesmo diante de fatos concretos que apontavam para a inocência de Jesus, assinou sua condenação e lavou publicamente as mãos para tentar afirmar que não tinha nada a ver com isso. O ato ficou imortalizado, e todas as vezes que alguém quer eximir-se de qualquer culpa ou responsabilidade diante de certas situações, afirma: “Eu lavo as minhas mãos”. Portanto, este ano não lave as mãos diante do que é justo, certo e bom.
Nem de perto eu quero sugerir que somos novos Pilatos ou Pilatos da pós-modernidade. Não! Na verdade, minha sugestão é que não deixemos de nos portar de forma justa diante da vida e dos seus mais diversos departamentos (família, fé, igreja, testemunho, amigos etc). Como eu não posso tratar de cada um desses departamentos nesse curto artigo de início de ano, deixe-me concentrar na igreja.
Qualquer cristão que não sofre de ”insensibilite aguda” sabe, ou pelo menos desconfia, de que estamos no meio de uma grande crise que abarca temas como: liderança espiritual, ministério, ética comportamental, caráter, evangelismo, missões etc. Cada um expressa a seu modo sua preocupação, enquanto uma boa parte da cristandade repete a milenar prática de Pilatos. Se alguém grita: “Precisamos voltar a fazer discípulos!”, a outra parte diz: “Estamos ocupados com nossas carreiras”. Se uma dessas raras almas preocupadas com a devoção expõe que precisamos orar mais intensamente, a outra parte responde abandonando o culto de oração. Se ainda um desses elementos, mais conhecidos e comparados com uma peça de museu, exclama sobre a necessidade de voltarmos a pensar e viver a realidade de uma vida santa e consagrada, a outra parte responde defendendo nas redes sociais uma vida desregrada e sem qualquer coerência com as Escrituras. A maioria dos cristãos está lavando as mãos! Seria injusto eu pensar que Pilatos está fazendo escola na igreja de Jesus? Meu Deus, que paradoxo!
Se não quisermos continuar a lavar as mãos diante da fragilidade espiritual da igreja contemporânea, da sua falta de poder evangelístico e da fragilidade ético-moral que a assola, então temos que fazer uma rápida revisão nas nossas posturas presentes e entender que se as almas estão se perdendo, é porque estou lavando as mãos diante da ordem evangelística; se a igreja está esvaziando, é porque estou lavando as mãos preferindo sacrificar o dia do Senhor no altar da diversão; se os cultos de oração estão definhando, é porque estou lavando as mãos diante da responsabilidade de dobrar os joelhos; se o testemunho público da igreja está na sarjeta, é porque venho lavando as mãos diante da responsabilidade de assumir uma postura ética coerente com a minha fé; se a igreja assumiu posturas pragmáticas, incorporando um ideal performático, transformando o culto num espetáculo, é porque continuo a lavar as mãos endossando que a pregação da Palavra é insignificante. Se há uma crise de liderança e o ofício pastoral vem perdendo o encanto, é porque ando dando apoio a pastores que fazem bem o discurso da autoajuda, esquecendo a arte da pregação, e substituindo-a pela da animação, acentuando, com isso, minha preferência por animadores em vez de pregadores.
Desde Pilatos, o ato de lavar as mãos põe nessas mesmas mãos o martelo e os cravos e Cristo volta a ser sacrificado – o cordeiro volta a ser imolado – desta vez por aqueles que dizem ser seus discípulos. O caso é grave! A recuperação pode levar décadas. Mas, quem sabe de repente os cristãos acordam e largam seus instrumentos de tortura, assumindo publicamente o morrer com Cristo, identificando-se com o sacrificado e não com os seus executores? Quem sabe de repente essa massa resolva resistir ao mal, fechar as portas do coração ao engano e os pastores resolvam pregar o Evangelho com seriedade? Meu Deus, recuperaríamos mais de 50 anos de história decadente da igreja; a teologia da prosperidade morreria; os grupos performáticos não mais satisfariam aos crentes; os palradores frívolos perderiam a fama; o Evangelho voltaria a ser pregado com mais compromisso e Pilatos fecharia sua escola. Neste ano meus irmãos, não lavem as mãos!