Disciplinas espirituais (Tiago 5.13-20)
Se a perseverança desponta como a principal das virtudes cristãs em tempos de provação, o mesmo pode ser dito a respeito da disciplina da oração. E as duas nunca andam separadas. Se, por um lado, Tiago começa e termina sua carta exortando seus leitores à perseverança, por outro lado, ele faz o mesmo no tocante à convocação a oração (cf. Tg 1.5; 5.13-20). Se as provações da vida cristã nos ensinam a perseverar em oração, elas também nos ensinam a orar por perseverança.
A disciplina da oração é proveitosa para tudo e todos (Tg 5.13-16)
O apóstolo Tiago não poderia ter encerrado sua carta de maneira melhor. Diante das diversas circunstâncias e situações abordadas ao longo do seu sermão, o apóstolo recomenda a todos os seus leitores que perseverem em oração em toda e qualquer circunstância.
Estejam os seus leitores sofrendo ou celebrando, alegres ou tristes, todos devem perseverar em oração. Os que estiverem sofrendo, independente da natureza da provação, devem orar para não se esquecerem que jamais estão além do alcance da graça soberana do Senhor. Mesmo os que estiverem celebrando devem também perseverar em suas orações em forma de louvor para não se esquecerem que jamais estão além da necessidade da mesma graça soberana do Senhor.
Tanto os que estiverem enfermos de corpo como de alma devem igualmente dedicar-se à oração – estes para que tenham seus pecados perdoados e seus corações restaurados, aqueles para que tenham seus corpos renovados. Embora Tiago não reconheça nenhuma relação direta entre uma necessidade e outra – nem toda enfermidade é fruto de pecado e nem todo pecado resulta em enfermidade – uma necessidade pode apontar para outra. Portanto, caso a pessoa enferma tenha cometido pecado, que ela também suplique pelo perdão do Senhor junto da sua cura.
Portanto, a disciplina da oração é proveitosa para todos os momentos e também para todos os crentes. Muito embora Tiago destaque a atuação dos presbíteros (pastores) da igreja na visitação e intercessão pelos enfermos, ele não restringe tal disciplina à liderança do rebanho; antes, ele a encoraja a todos os que se consideram servos de Deus. Por fim, apesar da recomendação da unção com óleo¹ na intercessão pelos enfermos, Tiago desconhece a necessidade de qualquer cerimonial ou ritual necessário para que os filhos de Deus apresentem as suas necessidades físicas e espirituais, bem como as dos seus irmãos em Cristo, em oração perante o Senhor.
A disciplina da oração é poderosa e eficaz (Tg 5.16-18)
Assim como Tiago encorajou seus leitores à perseverança mediante o exemplo dos profetas do Antigo Testamento, ele também exorta os cristãos à oração ao lembrar do exemplo do profeta Elias.
Elias era lembrado pelo povo de Israel na época de Tiago como um exemplo de fé e poder sobrenatural. Curiosamente, apesar de ter sido uma figura marcante na história de Israel em seu confronto da corte do rei Acabe e dos profetas de Baal e de ter operado diversos sinais e maravilhas, Tiago ressalta tão somente duas qualidades de Elias: o fato de ter sido humano como seus leitores – ou seja, sujeito à fraquezas e provações – e o seu legado como um homem fervoroso em oração.
A fim de que seus leitores não esmorecessem em suas orações e em sua perseverança diante das suas provações, Tiago recorda o testemunho fiel de Elias que, embora provado e fragilizado pelas provações que sofreu, jamais deixou de interceder ao Senhor. Consequentemente, assim como o Senhor julgou a iniquidade dos homens nos tempos de Elias e sustentou o profeta em tempos de seca, assim também os leitores de Tiago deveriam permanecer firmes em suas orações certos de que o Senhor julgaria os ímpios e sustentaria os seus servos justos até que passasse o seu juízo.
Portanto, Tiago conclui corretamente que a oração de um justo – esteja ele na situação que for, mas crendo firmemente na graça soberana de Deus em todo tempo e circunstância – é poderosa e eficaz.
A disciplina da oração nunca anda só (Tg 5.13-20)
Finalmente, Tiago mostra claramente que a perseverança na disciplina da oração estimula várias outras disciplinas essenciais à vida cristã, especialmente nos momentos de provação.
Uma vida irrigada pela oração frutificará também em adoração e louvor a Deus pelas bênçãos recebidas do Senhor (5.13), em intercessão e atos de misericórdia pelos que sofrem na igreja (5.14-15), em comunhão íntima e transparente que promova a confissão e o perdão mútuo (5.15-16) e, por fim, numa abertura para a correção mútua e amorosa na fé nos momentos de maior fragilidade e fraqueza espiritual (5.19-20).
Quem tenta perseverar sozinho na vida cristã, portanto, está fadado ao naufrágio espiritual. A perseverança em oração nos lembra constantemente que somos inteiramente dependentes da graça de Deus para permanecermos firmes na fé em Cristo, mas também que dependemos dos demais membros do corpo de Cristo para não retrocedermos em nossa vida de adoração, confissão, testemunho e serviço ao Senhor Jesus.
Para reflexão:
- Cada vez mais nossa cultura tem promovido a experimentação religiosa do indivíduo a fim de que cada um procure e encontre o tipo de espiritualidade que mais lhe agrade e funcione em sua vida. Como as recomendações de Tiago acerca da disciplina de oração se comparam com essa cultura religiosa? Tiago faz uma mera recomendação ou transmite uma ordem do Senhor? Ele retrata a oração como apenas uma alternativa dentre muitas ou como uma necessidade de todos os crentes em todas as circunstâncias da vida? Ele descreve a disciplina da oração como algo restrito a uma disciplina individual para alguns poucos cristãos ou como uma disciplina comunitária para toda a igreja?
- Como o exemplo do profeta Elias serve de encorajamento para a nossa vida de oração? Que provações ele experimentou em sua vida? (cf. 1Rs 17-19) Como ele lidou com essas provações? Como você tem respondido às provações da sua vida em oração?
- Por que Tiago menciona outras disciplinas da vida cristã como a adoração, a intercessão, a comunhão, a confissão e o perdão mútuo em relação à disciplina de oração? Existe alguma relação entre todas essas disciplinas cristãs? Entre nossa devoção individual e nossa vida comunitária com o restante da igreja?
- Pelo que você precisa orar hoje? Perseverança? Cura? Perdão? Correção e disciplina? Você tem algum motivo para agradecer a Deus também? De preferência, junte-se com outros irmãos e irmãs em Cristo e compartilhe seus motivos de louvor e oração. Orem juntos para que a graça do Senhor os fortaleça, os renove e os capacite para perseverarem numa vida cristã disciplinada para a glória de Jesus Cristo.
1. Diferente de algumas interpretações históricas e contemporâneas, o uso recomendado por Tiago de óleo na oração pelos enfermos não descreve apenas um artifício medicinal antigo, nem tampouco um rito sacramental investido de poder curativo. Tal qual no Antigo Testamento quando a unção com óleo representava a separação de alguém por Deus – fosse um sacerdote, profeta ou rei de Israel – para um fim designado pelo Senhor, Tiago parece ter algo semelhante em mente ao recomendar que óleo seja usado como um símbolo do cuidado de Deus com a restauração e capacitação física do que está enfermo (vide os comentários bíblicos pertinentes).