Um dos grandes mistérios que torturam qualquer cristão experiente, mas ainda não completamente maduro, é o da necessidade do sofrimento. O próprio livro de Jó é uma jornada pela história de um homem que acreditava na relação direta entre a piedade e o bem-estar. Segundo o pensamento do seu tempo e dos seus amigos (e para dizer a verdade, do próprio Jó), o homem piedoso, caridoso e justo certamente gozaria sempre de uma vida abençoada por Deus e marcada por todo tipo de bem material, familiar e de saúde.
No primeiro ato do livro, o leitor é beneficiado pela perspectiva divina, embora estranha. Deus desafia o Diabo a tentar o seu servo piedoso, Jó. O livro descreve os sofrimentos horríveis por que aquele homem passou – a perda dos filhos, dos bens e até da sua própria saúde. O livro também relata os discursos dos seus amigos, que na maior das boas intenções o torturavam ao procurar levá-lo a se arrepender por males praticados – males esses que o seu próprio sofrimento denunciava.
Mas Jó era um homem bom. Ele tinha certeza da sua justiça, a ponto de pedir uma audiência com Deus, para que pudesse defender o seu direito. No fim do livro, o Senhor aparece. Só de ouvir Deus falar, Jó se cala. Sem que houvesse uma explicação, Jó acha paz na presença do Pai, mesmo sendo ela marcada por uma repreensão devido a suas palavras e seus questionamentos. Virtualmente, o que Deus responde é que Jó sequer entenderia o porquê, mesmo se Ele tentasse explicar.
Quando sofremos, passamos pela tempestade ou pelo deserto, nosso primeiro recurso é clamar e suplicar ajuda. Quando não vem, e continua a não vir, ficamos impacientes. É difícil perseverar no sofrimento sem vislumbrar algum propósito nele. Então levantamos os olhos e fazemos a pergunta que inúmeros fiéis já fizeram no passado, e continuam a fazer até hoje: POR QUÊ? Os céus respondem com silêncio. E o sol do deserto continua a nos castigar. As ondas da tempestade continuam a nos abater.
Instaura-se o desespero. Após algum tempo a nossa oração muda: “Eu não aguento mais!!!” Todavia, há mais. O sol continua a queimar, as noites de insônia se multiplicam. Os olhos incham de tanto chorar. Súplica se torna questionamento, que vira raiva, depois apatia e, por fim, depressão. A fé entra em crise. Até quando? Já nem temos mais força para perguntar. E o deserto não parece ter fim. Ou, se for uma tempestade, já achamos que vamos afundar mesmo. A vida se torna uma rotina angustiante. As cores esmaecem. Tudo tende para o cinza. Pessoas bem intencionadas, com palavras bonitas, já são uma fonte de irritação. Queremos morrer. Bem… talvez não morrer, mas queremos que o mundo morra, pelo menos.
Alguns dizem: “Aprendemos com o sofrimento”. Posso dizer que isso é verdade e ao mesmo tempo não é. O que se aprende quando se perde uma perna? Nada. O que se aprende quando uma pessoa amada morre? É muito duro.
Já achei que o sofrimento fosse uma escola. Mas mudei de ideia. O deserto muda quem somos. De maneiras que nem conseguimos verbalizar, o deserto nos marca. Lentamente nos tornamos alguém diferente. Os outros percebem. Há momentos em que nós mesmos percebemos. Nossas reações já não são as mesmas. Tornamo-nos mais serenos, menos afoitos, menos intempestivos. Não é algo que decidimos ser. É algo que nos tornamos. Sob a mão segura, mansa, pesada, e misericordiosa de Deus, o barro vai se moldando. Mancamos um pouco, temos cicatrizes, nos emocionamos com mais facilidade, nos iramos com menos facilidade. O oleiro nos quebrou, nos moldou, nos torceu, nos formou. Somos uma sombra do que fomos. Mas, no fundo, sabemos que Deus fez algo, que de qualquer outra maneira seria impossível. Só então podemos dizer: “O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor”.
Na paz,
+W