Na minha leitura dos livros de J.I. Packer, passei a apreciar grandemente o foco cristocêntrico de sua vida e teologia. Esse Cristocentrismo reverbera virtualmente por toda página escrita e ecoa em praticamente toda palavra dita. Para Packer, não é suficiente afirmar a existência de “Deus” ou ter uma perspectiva geral teocêntrica. A vida cristã é uma vida na qual a revelação de Deus está centrada no seu Filho, Jesus Cristo. Todo o verdadeiro conhecimento de Deus é, antes e além de mais nada, concentrado no conhecimento de Cristo. Isso é, certamente, o que o próprio Jesus tinha em mente quando ele declarou “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo 17.3). Lemos novamente em 1 João 2.23 que “todo o que nega o Filho também não tem o Pai; quem confessa publicamente o Filho tem também o Pai.”
Mas o que, exatamente, significa “conhecer” Cristo Jesus? Certamente começa com uma compreensão sólida e extensa das verdades reveladas nas Escrituras a respeito da pessoa e obra de Cristo. Porém, até quem não é cristão pode estudar a Bíblia. Até mesmo Satanás e seus demônios possuem um entendimento preciso da identidade de Cristo. Portanto, para Packer, no centro de uma vivência cristã está um compromisso verdadeiro, vital e pessoal com o próprio Jesus, não como uma figura histórica distante, mas como o Senhor que vive, ama e que nos dá, nos guia e nos encontra nas Escrituras. Eu deveria deixar que ele mesmo desenvolva isso para nós:
Mais particularmente, o Cristianismo (como é afirmado) é um prolongamento e uma universalização para todos os discípulos daquele relacionamento direto e face a face do qual os primeiros seguidores desfrutaram na Palestina no seu ministério terreno. Há, realmente, duas diferenças. Primeiro, sabemos mais de quem e o que Jesus era que qualquer uma sabia antes da paixão. Segundo, uma vez que Jesus agora está fisicamente ausente, nossa ligação com Ele não é por meio dos sentidos físicos, mas por meio da sua própria aplicação interior do material bíblico à mente e ao coração de uma maneira que é tanto familiar aos crentes quanto misteriosa para outros. Mas a própria sensação de ser confrontado, reivindicado, ensinado, restaurado, defendido e capacitado pelo Jesus dos evangelhos tem sido a essência da experiência cristã ao longo de dezenove séculos, assim como é demonstrada tal qual a essência daquilo que os escritores do Novo Testamento conheciam, prometiam e pelo qual esperavam. Assumir, entretanto, que Jesus está vivo, universalmente disponível e capaz de dar total atenção simultaneamente a todo discípulo e todo lugar (e essa é a premissa bíblica e cristã) é, de fato, declarar a sua divindade. (Jesus Christ the Lord, 26)
Para Packer, e corretamente, fé cristã significa muito mais que reconhecer a divindade de Jesus. Deve-se também buscar e descobrir um relacionamento pessoal com ele “no qual recebemos da sua plenitude e respondemos ao seu amor em devoção de discipulado” (ibid., 27). O que o cristão afirma é que Jesus Cristo, “o Senhor ressurreto e entronizado, é, apesar de fisicamente distante de nós, mas não menos ‘presente’, de fato ‘aqui’, pelo Espírito, em termos de presença pessoal para encontro pessoal. De tal encontro (como é afirmado) confiança nele, e amor e lealdade a Ele, derivam… Comunhão com Jesus não é uma metáfora ou parábola ou mito ou algo mais, mas o ingrediente básico da experiência cristã distinta” (ibid., 35). No trecho a seguir vemos Packer no seu auge, ressaltando sua tese com clareza e força inequívocas:
Qualquer mudança cultural à nossa volta, qualquer preocupação socio-política que prenda nossa atenção, qualquer ansiedade que possamos sentir em relação à igreja como instituição, o Jesus Cristo crucificado, ressurreto, que reina e que expia, chama, atrai, recebe, perdoa, renova, fortalece, preserva e traz alegria permanece no coração da mensagem cristã, o foco da adoração cristã e a fonte da vida cristã. Outras coisas podem mudar; isso não muda. (Jesus Christ the only Savior, 46)
Ler Packer é um alerta a qualquer um que erroneamente conclui que o Cristianismo é pouco mais que uma visão de mundo ou filosofia religiosa ou um compromisso para abraçar a ética de Jesus na vida diária. A essência do Cristianismo não é nem uma série de crenças, nem um padrão de comportamento. Ela é “a comunhão aqui e agora com o fundador vivo do Cristianismo, o mediador, Jesus Cristo” (A Modern View of Jesus, 65). E o que Packer quer dizer com a palavra “comunhão”? De que maneira homens e mulheres nesta terra experimentam este tipo de relacionamento com alguém que está no céu? Packer diz:
Invisivelmente presente para nos sustentar enquanto confiamos nele, o amamos e obedecemos, ele sobrenaturaliza nossa existência natural, refazendo nosso caráter segundo o seu próprio, constantemente energizando-nos a servir e socorrer outros por sua causa. Quando a vida termina, seja pelo cessar do nosso batimento cardíaco ou pelo reaparecimento público que traz o fim da história com juízo, Ele nos levará para estar com Ele. E então veremos a sua face, compartilharemos da sua vida, da sua vontade e louvaremos o seu nome, com uma alegria que excederá qualquer êxtase que somos capazes hoje e que continuará literalmente para sempre. (ibid., 65,66).
Ser cristão, portanto, é uma questão de constantemente buscar o Salvador invisivelmente presente por meio de palavras e ações que expressam três coisas: “fé naquele que assegurou, e agora concede, o perdão dos nosso pecados, nos acertando com o Deus que é seu Pai em essência e se torna nosso por adoção; amor por ele como aquele que nos amou o suficiente para suportar uma morte inconcebivelmente terrível para nos salvar; e esperar nele como o Senhor soberano que por meio de sua graça em nossa vida atual, com todas as suas dores, é experimentado como infinitamente rico e nossa vida futura será experimentada com riqueza infinitamente maior. Por isso, parece que Cristianismo é Cristo de maneira relacional. Ser cristão é conhecer a Cristo, que é muito mais que conhecer a respeito dele. A verdadeira fé implica verdadeira comunhão” (ibid., 66).
Novamente, Cristianismo é Cristo de maneira relacional. Se há um centro ou cerne de todo o pensamento de Packer em relação à vida cristã, e que deve ser o nosso também, está aqui. A vida cristã é uma vida de relacionamento consciente, alegre e confiante com Jesus de Nazaré.
Citado por Sam Storms no artigo, J.I.Packer é um dos autores do livro “Firme Fundamento: a inerrante Palavra de Deus em um mundo errante”, lançado pela Editora Anno Domini em novembro de 2013. A obra traz uma compilação de textos de pastores e teólogos que dissertam sobre aspectos fundamentais da Escritura Sagrada, reafirmando, assim, a inerrância bíblica. Em seu capítulo, Packer fala sobre o que realmente significa conhecer a Deus. Clique aqui e saiba mais sobre o livro.