Para continuar a falar sobre o Calvinismo, ou seja, sobre esse nó que todos procuram desatar entre a eleição divina (predestinação) e o livre-arbítrio, temos que nos afastar um pouco da floresta e dar meia-volta para entender que floresta é essa em que estamos tentando caminhar. Sim, pois podemos falar de árvores e de raízes e de várias coisas que fazem parte da floresta sem, contudo, entender a natureza da floresta com a soma de todos esses elementos. Vou tratar dos elementos, é claro: os versículos, as passagens pertinentes, os conceitos bíblicos que precisam nortear o nosso entendimento. Mas, primeiro, vamos olhar a Bíblia, mas ainda de maneira mais geral, na equação Deus/ Humanidade. Como é que esses dois interagem? Qual é a relação entre eles?
O que isso tem a ver com calvinismo? Calma, estou chegando lá. Vamos falar disso ao longo de muitos atos de toda a peça. Mas hoje, ainda vou contemplar o palco (só para me manter fiel à imagem de um drama, uma história a que assistimos, por meio de atos, cortinas e cenário).
Deus é insondável, infinito, incompreensível e inescrutável. Seus caminhos são mais altos que os nossos. Seus pensamentos, mais elevados que os nossos (Is 55). Até Jó, que exigiu uma audiência com Deus para poder se defender e, ao fazer isso, indiretamente interpelou o Senhor por causa do enorme sofrimento pelo qual estava passando, quando confrontado por Deus ouviu praticamente o seguinte: se eu tentasse explicar você não teria como entender. Do capítulo 38 até o fim de capítulo 41, Deus arrasa com a arrogância de Jó. Ele mostra que ninguém pode entende-lo. Quem somos nós para compreender os seus desígnios? Ele começa com a seguinte frase: “Quem é este que obscurece o conselho com palavras sem conhecimento?” (38.1).
Longe de nós tentar obscurecer o conselho com palavras sem conhecimento! Estranhamente, no entanto, no momento no qual Deus se mostra completamente além da compreensão de Jó e mostra como o seu raciocínio é supremamente mais alto do que o do Jó, aquele homem tem uma visão mais clara de Deus. Ele responde, dizendo: “De fato falei do que não entendia, coisas que me eram maravilhosas demais e eu não compreendia…. Com os ouvidos eu tinha ouvido falar a teu respeito; mas agora os meus olhos te veem” (42.3b e 5). Em outras palavras, ele só passou a ver Deus quando Ele lhe mostrou o quanto estava além das vãs imaginações que Jó teria a seu respeito.
Nós, igualmente, só teremos noção das coisas de Deus quando partirmos de uma visão mais ampla a seu respeito. Que visão é essa? Que Ele está além dessa visão. Ao contemplarmos a floresta, veremos que ela é vasta e vai para além do nosso horizonte racional. Sim, pois Deus é de eternidade a eternidade. Seus desígnios são sublimes e sua pessoa é absolutamente insondável. Quando compreendermos isso, nos aproximaremos do assunto de predestinação enxergando-o de uma nova maneira. Pois, muitos dizem coisas a respeito de Deus sem a devida noção da sua imensa e infinita existência – algo que nem eu nem você vamos compreender completamente.
Afinal… o que isso tem a ver com predestinação? Tudo. Pois ao falarmos do que o Senhor pensa, do que faz ou o que escolhe fazer, estamos falando de um Deus que se revelou em parte, na medida em que somos capazes de compreender. Mas quando começamos a imaginar o que essa revelação implica na sua totalidade, seremos réus da mesma acusação que pesou contra Jó: quem és tu, ó criatura?
No próximo ato, a se apresentar no próximo post, vamos ver o que Deus de fato disse. Mas sempre teremos que manter em mente a enormidade do mistério que estamos tentando compreender. Será que há como? Veremos.
Após mais um intervalo, voltaremos para o próximo ato desta peça: o que é a doutrina da predestinação? Será que ela tem algum mérito?
Na paz,
+W