We don’t need another hero é o título de uma música de Tina Turner que, traduzido, significa “Nós não precisamos de outro herói”. Será? É de heróis que precisamos? Ou será que ela tinha razão? Sempre me referi ao décimo-primeiro capítulo da carta aos Hebreus como o rol dos heróis da fé. Mas não achei esse título ao abrir a minha Bíblia de novo. Outros termos são usados para descrever os exemplos na fé que eles representaram.
A palavra herói vem da civilização grega, que inicialmente usou o termo para descrever um semideus. Um herói seria alguém que, embora parcialmente humano, demonstrava qualidades e habilidades além das que são comuns a meros mortais. Com o tempo, como é o caso de muitas palavras, o seu significado foi mudando. “Herói” passou a ser uma palavra empregada para denominar alguém que demonstrava capacidade moral e de autossacrifício em benefício do próximo. Enfrentando perigos e obstáculos aparentemente intransponíveis, o herói se lança contra tudo e todos para o bem dos outros. Um paladino, um ser dotado de uma altruísmo e uma disposição ao sacrifício dos seus próprios interesses e até da sua própria vida. Alguém que estaria até pronto para dar todos os seus bens e até entregar seu próprio corpo para ser queimado, se trouxesse algum benefício a outro.
Jovens gostam de heróis. Inspiram. Lideram campanhas e missões suicidas. O jovem quer servir. O jovem quer acreditar em algo e é contagiado pelo espírito heroico. Os mais velhos já são mais céticos. O herói moderno é visto por eles como um otário, um iludido. Os mais velhos já viram “muitos carnavais” e sabem que o mundo continua girando. Os heróis ganham estátuas, mas não mudam o mundo.
Precisamos de heróis? De pessoas que estão prontas a dar sua vida pelos outros? E Jesus, Ele foi um herói? Afinal, Ele deu sua vida por nós. Não é assim? Afinal, se alguém foi um herói, foi Ele. Mas vejamos o que Ele fez e por que Ele o fez.
Jesus foi, em primeiro e último lugar, uma pessoa enviada para uma missão. Como tal, sua vida foi de obediência. Sua missão não nasceu de outro sentimento se não o de fazer a vontade do Pai. Isso não quer dizer que Ele não nos amou. Em vários momentos da sua missão vemos que Jesus amou. Amou o jovem rico a ponto de dizer-lhe o que acabou afastando-o do caminho. Ou seja, o seu amor fez com que falasse a verdade – que, embora fosse o caminho único da sua salvação, Jesus sabia que o rapaz iria rejeitar. João se disse ser o discípulo a quem Jesus amou. Do Monte das Oliveiras o Mestre chorou sobre Jerusalém. Foi um homem de dores e sabia o que é sofrer. Mas sua missão não foi movida por paixão, senão por obediência ao Pai, que amou o mundo “de tal maneira” que o mandou fazer exatamente o que acabou fazendo.
Na hora “H”, ou seja, no momento do seu sacrifício, Jesus pediu até que o cálice passasse dele. Mas terminou com as palavras tão conhecidas, “não a minha vontade, mas a Tua seja feita” (Lc 22.42).
Tempos depois Paulo diria aos Filipenses: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens. Assim, na forma de homem, humilhou a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.5-8). Ao contrário de se “superar”, que é o modelo do herói, ele se esvaziou. Ao contrário de olhar para quem ele estaria beneficiando, olhou para aquele que o mandou fazer o que fez. A sua morte não foi o ato de um herói, mas de um servo. Não fruto de um ato de superação de obstáculos, mas de uma entrega aos mesmos. Jesus, de fato, foi um anti-herói. Ele foi um sacrifício vivo.
Mas Ele não tinha um bem em mente ao fazer tudo isto? Sim. Voltando ao livro de Hebreus, vemos na conclusão da lista de exemplos de fé (encontrada no capítulo 11 e no início do capítulo 12) a explicação dos seus atos: “Portanto, também nós, rodeados de tão grande nuvem de testemunhas, depois de eliminar tudo que nos impede de prosseguir e o pecado que nos assedia, corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, fixando os olhos em Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé, o qual, por causa da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da vergonha que sofreu, e está assentado à direita do trono de Deus”(Hb 21.1,2).
Pode lhe parecer preciosismo da minha parte. Garanto que não é. A vida cristã não é pautada pelo heroísmo. A natureza da vida cristã é servil. O herói ganha estátuas. O servo ganha a cruz e depois a presença de Deus. O herói é celebrado aqui entre os homens. Quem vive pela fé é descrito pelo autor da carta: “Houve mulheres que, pela ressurreição, tiveram de volta os seus mortos. Alguns foram torturados e recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressurreição superior. Outros enfrentaram zombaria e açoites, outros ainda foram acorrentados e colocados na prisão, apedrejados, serrados ao meio, postos à prova, mortos ao fio da espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos e maltratados. O mundo não era digno deles. Vagaram pelos desertos e montes, pelas cavernas e grutas. Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados” (Hb 11.35-40).
Ouviremos as palavras do Mestre um dia: “Bem feito, servo bom e fiel”? Creio que a Igreja não precisa de heróis. Precisa de servos. Precisa de quem não ama a sua própria vida, que olha para a mão do Mestre esperando o sinal para agir. Depois se contenta em saber que o Mestre foi glorificado. Há um galardão? Sem dúvida. Mas vem depois. As estátuas podem até servir de pedra de tropeço, como no caso de Gideão (Jz 8.22-27). Mas os que vivem pela fé são exemplos e só nos fazem bem (Hb 12.1).
Na paz,
+W