Semanalmente, me reúno com Michael Patton, Tim Kimberley e J. J. Seid para a gravação de um podcast chamado Theology Unplugged. Há duas semanas, cada um de nós identificou o que cremos ser o maior problema da vida da igreja local nos dias de hoje. Eu não tive dúvidas sobre o que creio ser o maior problema, ou talvez possamos dizer a maior ameaça à vida e saúde do corpo de Cristo. Eu a chamo de a perda da autoridade funcional das Escrituras.
A maioria daqueles que se identificam como sendo cristãos afirmam a “autoridade” da Bíblia. Mas quantos dizem isso de verdade? Quantos entendem que “autoridade” significa que quando a Bíblia diz que ‘X’ é verdade somos moralmente obrigados a crer naquilo? Será que aqueles que se identificam como cristãos querem dizer que quando a Bíblia afirma que a atividade ‘Y’ é pecaminosa, que somos moralmente obrigados a evitá-la?
A autoridade “funcional” da Bíblia significa que as Escrituras realmente funcionam ou exercem uma obrigação moral e comprometida em nós para crer no que ela diz e fazer o que ela ordena. A despeito da última enquete de opinião pública, e sem levar em conta o que achamos que “deveria” ser verdadeiro ou falso ou bom e mal, a Bíblia funciona para nos informar aquilo que nossa mente deve abraçar e o que nossa vontade deve buscar. Preferência pessoal é irrelevante. A regra da maioria não rege. A Bíblia rege.
Então, por exemplo, quando pessoas que verbalmente afirmam a inspiração e autoridade das Escrituras dizem que uma fé consciente em Jesus Cristo não é necessária para a salvação, as Escrituras não funcionam como autoridade para elas. Quando elas insistem que devem ceder à trajetória cultural que afirma o casamento homossexual, as Escrituras não funcionam como autoridade para elas. Quando argumentam que lhes parece uma questão de justiça e até um ato de amor que Deus deveria salvar todo mundo no final das contas, as Escrituras não funcionam como autoridade para elas.
Não há lugar melhor para se enxergar isso que nas estatísticas chocantes da mais recente enquete Gallop. Num artigo publicado no site do Gospel Coalition (Why are behaviors the Bible condemns considered ‘morally acceptable’ by Christians, “Por que comportamentos condenados pela Bíblia são ‘moralmente aceitáveis’ para cristãos?, em 29 de maio de 2015), Joe Carter cita uma tendência perturbadora entre aqueles que se denominam cristãos. A enquete registrou mudanças na crença de “cristãos” ao longo dos últimos quinze anos.
Aqui está uma pequena amostra do que foi descoberto:
Sexo entre um homem e uma mulher solteiros é considerado moralmente permitido por 68% dos entrevistados. Esse numero cresceu 15% de 2001 a 2015.
Sexo entre pessoas do mesmo sexo hoje é aprovado por 63% daqueles que se dizem cristãos. Esse numero cresceu 23% no mesmo período.
Ter um filho fora do casamento agora é considerado moralmente aceitável por 61% dos entrevistados. Pesquisas médicas usando células-tronco tiradas de embriões humanos é aprovado por 64%. E agora 45% daqueles que se professam “cristãos” aprovam o aborto.
O que isso diz a respeito da suposta “autoridade” da Bíblia enquanto uma parcela tão grande dos “cristãos” ou aprovam comportamentos explicitamente proibidos nas Escrituras ou condenam comportamentos explicitamente ordenados por elas?
Carter cita várias razões do porque cristãos estão rejeitando normas bíblicas:
“Alguns são meramente ignorantes quanto ao que a Bíblia ensina enquanto outros claramente estão em rebeldia e dispostos a perverter ou rejeitar a Palavra de Deus para ganhar popularidade com a cultura secular. Em quase todos os casos, porém, a questão fundamental é uma indisposição de cristãos que creem na Bíblia para afirmar, simplesmente, ‘Você não pode ser obediente a Cristo e considerar comportamentos que Ele odeia e condena como ‘moralmente aceitáveis’.
Pode ser que tenhamos medo de sermos taxados como ‘legalistas’ por assumir uma posição de acordo com o que a Bíblia diz. Talvez achemos que pessoas fugirão das nossas igrejas se requerermos que elas adiram às ordenanças morais da Bíblia. Ou talvez nós mesmos somos analfabetos bíblicos demais para fornecer um contra-argumento àqueles que afirmam que as ‘letras vermelhas’, as falas de Cristo na Bíblia, podem ser usadas para justificar comportamentos que as ‘letras pretas’ claramente dizem ser pecaminosos.
Qualquer que seja a razão, nós estamos falhando em ser fiéis a Cristo e seu chamado para proclamar o Evangelho quando permitimos que as Escrituras sejam pervertidas e rejeitadas por aqueles que afirmam ser nossos companheiros na fé. Dada a opção, muitos certamente preferem poder endossar a fornicação, poligamia e suicídio etc. e ainda se considerarem ‘bons cristãos’. Mas isso não é uma opinião, e não podemos fingir que as exigências morais das Escrituras são opcionais para os cristãos. Não podemos conquistar a salvação por aderir às ordenanças morais de Deus; salvação vem somente do sangue de Cristo. Mas trazemos a sua ira sobre nós quando chamamos o mal de bem e o bem de mal, e quando trocamos as trevas pela luz e a luz pelas trevas (Isaías 5.20).”
De uma coisa não há erro e escapatória. Para muitos, a Bíblia cessou de funcionar (se que é um dia tenha funcionado) como a autoridade moral final sobre o seu comportamento e o padrão teológico supremo que governa as suas crenças.
Colocado de maneira clara, para o cristão não importa o que você gosta ou não. Não importa se isso lhe faz sentir-se bem ou não. Não se pode dar peso ao que lhe soa como justiça ou injustiça. Não importa se você se sente confortável ou mal. Não importa o que seu vizinho ou seu patrão ou seus pais crêem. Não importa o que a maioria dos EUA diz ser verdadeiro ou falso, bom ou mal.
A única coisa que importa é a voz de Deus falando a nós nas Escrituras. O que importa, então, é se você e eu vamos crer nelas e ajustar nossa teologia e conduta para se conformar aos seus ensinos. Se você escolher não fazê-lo, por favor desista da afirmação vazia e hipócrita de que você crê que a Bíblia é autoridade. Alguns rejeitam esta ênfase na autoridade da Bíblia por medo de que possa impor restrições ilícitas na autonomia pessoal individual. Mas essa preocupação é baseada na noção de que a liberdade é fundamentalmente “dos” princípios e padrões da Palavra de Deus. Liberdade genuína, por outro lado, é liberdade “para” obedecer a Deus como portadores da sua imagem, à sua semelhança.
Liberdade não é inconsistente com a autoridade funcional da Bíblia. Só somos verdadeiramente livres quando nossas mentes e corações são alegremente conformados à vontade do nosso Criador. Apesar de parecer, inicialmente, contra-intuitivo, a submissão à autoridade funcional das Escrituras é eminentemente libertadora. Não há mais uma escravatura prejudicial e notória às amarras das próprias paixões e preferências, ou talvez aos ventos da opinião pública que constantemente mudam de direção. Uma abordagem mais bíblica, ressalta J. I. Packer,
“enxerga a liberdade como um estado interior de todos os que estão realizando o potencial da sua própria natureza criada ao louvar e servirem seu Deus Salvador de coração. Sua liberdade é liberdade para não fazer o mal, mas para fazer o bem; para não infringir a lei moral, mas guardá-la; para não esquecer de Deus, mas se agarrar a Ele a cada momento, em toda tarefa e relacionamento; para não abusar e explorar o próximo, mas oferecer sua própria vida por ele.” (Truth and Power, p.23)
Todos se submetem à autoridade, seja a de sua própria mente e desejos, as determinações de outra pessoa, ou àquela da vontade amorosa e revelada de Deus. Logo, a questão perante nós não é autoridade ou anarquia, mas à qual autoridade nós cedemos a nossa vida.
Texto extraído do blog de Sam Storms, com a devida autorização do autor. Clique aqui para ler a versão original.