O tempo está se aproximando e não demorará em que o cristão será forçado a praticar desobediência civil para não pecar contra Deus. Não estou falando de sonegar impostos ou correr além do limite de velocidade na estrada. Estou falando de não matar os seus filhos pré-natais (chamados “fetos” pela ciência atual) ou seus anciãos (que não conseguem mais interagir e manter uma qualidade de vida mínima). Estou falando de obedecer o que diz a Bíblia no que diz respeito à disciplina amorosa de filhos, ou de não reconhecer um casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. A militância política, social e acadêmica de alguns grupos mostram que o anseio desta geração é de botar a Igreja no “seu devido lugar”, ou seja, calada e confinada a seus prédios peculiares, que “poluem” a paisagem liberal do nosso bravo novo mundo.
Em meio a uma cultura imbecilizada, cativa pelo trivial, banal e de baixo calão (haja vista o sucesso infame de programas como Big Brother Brasil), há alguns que estão se posicionando seriamente contra a própria existência da Igreja e de tudo que ela representa no Ocidente. Sim, porque se formos para o Oriente Médio, ou o Oriente distante, grande parte do mundo já marginalizou a Igreja. Estão muito mais avançados na sua cruzada contra o Corpo de Cristo. Mas o Ocidente, que descendeu da cultura europeia, e consequentemente cristã, está tentando se despir desse legado e se reinventar.
Essa reinvenção é motivo de celebração de pessoas ensandecidas pela perspectiva do êxito da sua intenção, e de horror de pessoas minimamente cristãs nas suas convicções e sensibilidades. Para quem teme a Deus, parece que o manicômio liberou todos os seus internados, que logo se elegeram para cargos dos mais diversos e em todas as camadas da nossa sociedade atual, inclusive do próprio Estado.
Entre todos os desafios à Igreja, há um que está sendo articulado de modo muito sagaz, e ainda em níveis acadêmicos (se bem que os tremores já podem ser sentidos nas novelas e outras formas culturais brutalizadas). O desafio pode ser resumido em uma pergunta: “O que quer dizer ser um ser humano?”. Ou “o que quer dizer ser uma pessoa?”. Sim, porque os dois conceitos são interligados, embora haja diferenças importantes de significado entre elas. Mas, em benefício do argumento deste texto, vamos tratar as duas palavras, “pessoa” e “ser humano”, como um só conceito e, portanto, intercambiáveis.
Recentemente foi aprovado no Brasil o aborto de fetos anencéfalos. De certa forma poderia se argumentar que essa legislação é inócua e sem necessidade. Sim, porque uma criança que nasce sem cérebro não viverá. É uma conclusão sine qua non de uma gestação desse tipo. Por lei, uma pessoa com morte cerebral já é considerada morta. Os seus órgãos podem ser doados sem que isso seja considerado uma violação da sua pessoa. Então, um feto anencéfalo seria tecnicamente uma pessoa morta que ainda não nasceu. Se bem que o seu “nascimento” seria para a morte certa.
Esse conceito infere que vida é aferida porque um corpo humano respira? A ciência diz que não. Então trazer o debate a público me parece ter uma agenda secreta por trás da cortina. Parece um “boi de piranha”. Para quem não conhece o conceito, o boi de piranha é o animal que os boiadeiros mandam para dentro da água do rio acima, para que, enquanto ele for devorado pelas piranhas, o resto da manada possa atravessar sem ser atacada. O paralelo se aplica à questão que estou abordando: os interessados criam uma questão “fácil” de aceitar, mas que introduz uma outra no seu bojo cuja aceitação seria bem mais difícil.
Repare: não propuseram o aborto de crianças com menos capacidade cerebral, mas de crianças sem cérebro. Com a sua aprovação, o resto se torna uma questão de grau e não de princípio. A questão não é a morte certa, mas o ato do aborto legitimado que querem introduzir. Quando sugerirem o aborto de uma criança com Síndrome de Down, o debate também girará em torno da capacidade do cérebro. Se a ausência de um encéfalo lhe tira a condição de ser humano, será que ter um cérebro “defeituoso” lhe tirará o direito de ser considerada uma pessoa, também? Veja que a pergunta está só esperando para ser feita.
Permita que eu use um outro exemplo, até estranho, mas verídico, para deixar bem claro o que quero dizer sobre uma questão de grau e não de princípio. Corre a história sobre o Primeiro-Ministro inglês Winston Churchill, que, em seus debates no parlamento inglês, entrou em debate inúmeras vezes com uma parlamentar a quem ele passou a detestar. Um dia Churchill perguntou a ela se aceitaria passar a noite com ele por um milhão de libras esterlinas. Essa senhora disse que por um milhão até pensaria no assunto. Em seguida ele perguntou se aceitaria por cinco libras esterlinas. Ao que ela respondeu: “Você pensa que sou o quê?”. Sua resposta foi: “O que a senhora é já foi estabelecido pela sua primeira resposta. Agora estamos apenas negociando o preço.” Ou seja, ele fez uma proposta “irrecusável” e até “inimaginável”. Mas com a aceitação dela, Churchill estabeleceu algo muito pior.
A discussão acerca de qualquer tipo de aborto é a verdadeira questão aqui. Não é se a criança nascerá morta ou não. A questão é: há algo que faça de um feto menos do que um ser humano, e consequentemente, ele não deve nascer? E se for outro defeito genético? Essa é a questão. E esse é o boi de piranha.
Por favor entenda que estou tentando raciocinar dentro dos parâmetros propostos pela lei e pela ciência atual. Mas o assunto é espinhoso, controvertido, passional e perigoso. Quero alertar sobre algo bastante simples, embora creio que seja crítico para a nossa estratégia no Ocidente, como Corpo de Cristo. Bois de piranha estão sendo lançados nas águas públicas e a Igreja está “caindo na carniça” acreditando que está ganhando terreno com a sua cruzada. Estamos sendo chamados para âmbitos e fóruns que não são o lugar onde teremos o maior êxito. Estamos sendo chamados para batalhar com armas que não são nossas. Deixamos de orar, nos humilhar e nos arrepender dos nossos maus caminhos, que é, afinal, a fórmula para Deus sarar a nossa terra. E ao invés de fazer isso, fazemos lobby, usando de política suja e indo para as ruas – tal qual um movimento revolucionário qualquer.
Mas as armas da nossa milícia não são essas. Enquanto a oração é relegada a agremiações de mulheres, os homens estão empenhados em “realmente fazer algo a respeito”. Ledo engano. Estamos caindo na armadilha que hoje está posta no Ocidente. A Igreja precisa voltar a cair de joelhos e buscar a Deus. Pois, sem um milagre, iremos pelo mesmo caminho de outros países e outras culturas que no passado foram quase que totalmente cristãs, mas que hoje são até consideradas “não alcançadas” pelo Evangelho.
Na paz,
+W