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Conhecimento demoníaco, humano e divino

Há muitas brigas sendo travadas aqui na Internet. Polêmicas mis, bate-bocas, debates esquentados e, lamentavelmente, de baixo nível. Pessoas se inflamam, usam de falácias e sofismas, palavrões e perjúrios. Isso me leva a pensar: que tipo de conhecimento, que espécie de sabedoria é essa? Já me disseram que se eu der um título mais polêmico aos posts que escrevo no blog ou se tratar de um assunto mais quente, o número de leitores sobe, as respostas se multiplicam e o blog “vai bombar”. Só que… não é isso o que quero. O que desejo ao escrever neste espaço é entender e passar adiante a verdade que edifica, que faz bem, que é pacífica e que nos leva mais perto de Deus.

Perceba uma coisa: o conhecimento humano transcende a mente. Ou seja, a maneira pela qual adquirimos, organizamos, retemos e vivenciamos o que sabemos é razoavelmente complexa. Nosso relacionamento com o saber, i.e., com o conhecimento, compreende dinâmicas em muitos níveis. As Escrituras falam dessa complexidade. Vamos examinar algumas passagens da Bíblia para tentar exemplificar o tamanho do nosso desafio em dimensionar a natureza do saber.

Peguemos o caso de Jó. Ele era um homem piedoso. Sua vida era realmente notável, em todos os sentidos. Fazia bem aos que dependiam dele. Praticava hospitalidade e caridade. Era justo. Também era um homem extremamente rico, abençoado com uma família grande. Mas, subitamente, começou a perder tudo. Seus bens foram tirados dele. Seus filhos morreram. A saúde desapareceu. Ele foi acometido por bolhas purulentas e teve que raspá-las com cacos, enquanto ficava de luto em meio às cinzas. Ele e seus amigos “sabiam” que quem vivesse uma vida piedosa seria abençoado por Deus. Para os seus amigos, Jó obviamente tinha feito algo para desagradar o Todo-Poderoso. Repare: eles “sabiam” que Deus recompensava diretamente, e na mesma proporção, as obras do cidadão de bem.

O livro de Jó compreende uma série de atos. O primeiro ato nos leva à sala do trono de Deus. Deus desafia o Diabo a testar o seu servo fiel. As primeiras tragédias recaem sobre Jó. Mas o homem permanece fiel. Segundo ato: mais um desafio e o Diabo pede liberdade para fazer ainda mais. Jó continua a apanhar. Entrelaçado de discursos, a consternação de Jó é agravada pela reafirmação do que todos “sabiam”. Jó pleiteia uma audiência perante o Todo-Poderoso. Ele quer defender o seu direito de viver uma vida boa. Ele sabia que, se Deus o ouvisse, certamente esse desvio de justiça divina seria corrigido.

A resposta de Deus é avassaladora. Três capítulos inteiros são dedicados a sua resposta – uma verdadeira bronca sobrenatural. Sem responder às reclamações, Deus basicamente põe Jó no seu lugar. Quem era ele para “saber” qualquer coisa? Aliás, a frase é fascinante: “Quem é esse que obscurece o meu conselho sem conhecimento?” Para a qual Jó responde, “Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber.” Então ele arremata com, “Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por isso menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza.” (Jó 42.1-3). O que Jó “sabia” não era conhecimento à altura do Criador dos céus e da terra.

O que fica claro é que o saber humano tem os seus limites.

Jó interpelou Deus sem conhecimento. Como poderia conhecer o que só Deus conhece? Um homem não é capaz de saber o que Deus sabe. Nosso conhecimento é limitado às nossas limitações. Mas aqui ele revela que até no âmbito das suas limitações havia mais limitações, pois ele conhecia de ouvir falar, mas passou a ver e, vendo, conheceu melhor.

Há conhecimento que adquirimos pelo ouvir. Há conceitos e informações que cremos ter conhecimento pelo que vemos na internet. Há o saber que nos foi passado, ainda no colo da nossa mãe, numa idade tenra. Sabemos pelo aprendizado discipular, pela experiência, pelo contato pessoal, pelo ouvir e pelo que vemos. Jó reputa o que vemos como algo que nos mostra mais claramente a verdade das coisas sobre as quais ouvimos.

O “saber” pode ser indireto (por ouvir), direto (pelo ver), pela ignorância (conselho sem conhecimento – que é preconceito), e por aí vai. Relacionamo-nos com a realidade de várias maneiras. Aprendemos de várias maneiras. Nem tudo é uma questão de apreensão mental. Algumas coisas são apreendidas por experiência, pelo toque, pelo erro, pela dor. Sim a dor nos ensina também. Na perseverança aprendemos o que nenhum manual ou livro poderia nos ensinar.

Paulo orou pelos colossenses assim: “Por essa razão, desde o dia em que o ouvimos (acerca do progresso deles na fé), não deixamos de orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que vocês vivam de maneira digna do Senhor em tudo possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus e sendo fortalecidos com todo o poder, de acordo com a força da sua glória, para que tenham toda a perseverança e paciência com alegria, dando graças ao Pai, que nos tornou dignos de participar da herança dos santos no reino da luz. Pois ele nos resgatou do domínio da trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, em quem temos a redenção, a saber, o perdão dos pecados” (Cl 1.9-14).

Para o cristão, conhecimento vai além do que vemos e ouvimos, até. Há uma dimensão do saber que é dádiva de Deus. Conhecê-lO é nosso alvo sublime. O próprio apóstolo Paulo o disse que “… considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo” (Fl 3.8).

Mas este tipo de conhecimento tem um tom, compreende uma responsabilidade. É diferente do conhecimento deste mundo. Tiago, o irmão de Jesus e Bispo de Jerusalém, afirmou: “Quem é sábio e tem entendimento entre vocês? Que o demonstre por seu bom procedimento, mediante obras praticadas com a humildade que provém da sabedoria. Contudo, se vocês abrigam no coração inveja amarga e ambição egoísta, não se gloriem disso, nem neguem a verdade. Esse tipo de ‘sabedoria’ não vem dos céus, mas é terrena; não é espiritual, mas é demoníaca. Pois onde há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males. Mas a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura; depois, pacífica, amável, compreensiva, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera. O fruto da justiça semeia-se em paz para os pacificadores” (Tg 3.13-18).

Que a oração de Paulo pelos colossenses se aplique a todos nós, hoje. Novamente: “Sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que vocês vivam de maneira digna do Senhor em tudo possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus”. Que sejamos agraciados por um conhecimento sublime de Deus. Acima de tudo, de Deus.

Na paz,

+W

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  • Poucas vezes vi o assunto “conhecimento” ser passado a limpo com tanta clareza e simplicidade como agora, sem perder o foco na complexidade do assunto.Que maravilha o parágrafo sobre a “resposta avassaladora de Deus”. Obrigada.

  • Fico agradecido a Deus por ter cristão e lideres que fazem com que palavras dêem vida. Palavras cheias de graça, amor e sabedoria. Sabedoria não do homem, mas de Deus agraciado na vida de um homem simples e reflexivo como o Bispo Walter. São vozes como esta que nós precisamos resgatar para gerações futuras, gerações ao qual ainda precisar parar para pensar e refletir. Nós precisamos ouvir vozes que tenham a seiva do passado para não perdemos a essência do cristianismo. Raízes como esta precisam se estender para futuras gerações. Gerações que pensem antes de agir.

  • Ree

    Concordo com Andrea. Maravilha!
    A Palavra que vem bem explicada por um ungido é magnífica, edifica mas também incomoda 😉 Isso é bom.