Como já falei em outros tempos e em outros lugares, me recuso fugir de assuntos que são bíblicos. Não tenho a menor inclinação para comprar brigas sobre política, futebol ou gosto musical. Se vai pintar o cabelo de laranja ou se tatuar pode me excluir da conversa. Mas quando o assunto é a Palavra de Deus, podem contar comigo para tentar falar com vagar, mas com entusiasmo. Afinal, “A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Sl 119.7a).
Quando falamos de “lei”, temos uma ideia de que sempre se trata de algo que impõe restrições sobre nós. Vivemos num mundo onde os poderosos impõem a sua vontade sobre os demais, por força e unilateralmente. Para fazer uma lei, ninguém precisa sequer ter razão ou moral para tanto. Basta ter o poder. Basta poder punir quem não age de acordo com a legislação.
Mas, quando falamos de lei na Bíblia, estamos falando não de regras impostas, mas de afirmações muito claras sobre como as coisas são (segundo Deus as criou) e como melhor viver dentro da economia divina, para o nosso próprio bem. Ao contrário dos que impõem as leis humanas, Deus criou tudo que há e viu que era bom. Sua ordem da criação faz bem a sua criação. Para citar um exemplo apenas, existe a “Lei da Gravidade”. É imposta? Sim e não. Mas não é imposta aleatoriamente. Tudo que sobe desce. Essa é a lei. Não precisa de “pardal de velocidade” para punir quem a transgride. É simplesmente como Deus fez o mundo, e pronto. Não gostou? Nem por isso você deixará de ser regido por ela.
Quando Jesus disse “um novo mandamento lhes dou”, ele não estava nos sobrecarregando com uma nova exigência. Estava mostrando a maneira mais perfeita de se viver – maneira essa que estabeleceu pelo seu exemplo: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros” (Jo 13.34). Isso é penoso? Claro que não. João mesmo o disse em sua primeira carta: “Porque nisto consiste o amor a Deus: obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados.” (1 Jo 5.3).
Ele falou mais ainda: “Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então, a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, assim como o Pai de vocês é misericordioso. Não julguem, e vocês não serão julgados. Não condenem, e não serão condenados. Perdoem, e serão perdoados. Deem, e lhes será dado: uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante será dada a vocês. Pois a medida que usarem, também será usada para medir vocês.” (Lc 6.35-38).
O que quero mostrar aqui é um princípio que sustenta até o dízimo. Generosidade é a lei do universo. Deus amou, por isso deu o seu Filho. A mulher a quem foi perdoada muito, deu um perfume precioso, com o qual ungiu Jesus, por amor e com generosidade (Lc 7.37-47). Davi disse que não ofereceria a Deus o que não lhe custasse nada (1 Cr 1.24).
Generosidade, oferta, dar de si são o que flui de um coração tocado por Deus. É um ato de gratidão. Por que haveríamos nós de ofertar ao Senhor? Por pura alegria, por algo que transborda. Afinal, ele nos fez tão bem e continua a fazer. Por que isso é um problema?
É um problema por duas razões. Muitos aproveitadores têm violentado essa relação de amor entre Deus e as suas ovelhas queridas. Têm se entreposto como atravessadores desse ato tão puro. Têm se mostrado indignos de serem chamados “servos de Deus”. Têm amontoado sobre os ombros dos fiéis um sentimento de obrigação. Pior, têm feito deste gesto tão próprio e digno do Reino algo que não passa de um negócio, uma troca espúria de ofertas por favores ainda a serem concedidas. Tal qual as práticas de qualquer feiticeiro que exige uma oferenda, há aqueles que, em nome do Deus que livremente dá, têm exigindo uma taxa para a concessão de favores divinos. Invertem o ato de ofertar e o transformam num ato de oferenda (e a diferença não podia ser mais dramática). Não mais em livre e transbordante amor, mas em expectativa ansiosa de receber o cumprimento de promessas que nem existem nas Escrituras.
Nesse teatro do absurdo, nessa paródia de culto “cristão”, os atores desfilam o resultado da sua arrecadação, com carros luxuosíssimos, fazendas, lanchas, helicópteros e mansões, relógios Rolex e um estilo de vida que nada tem a ver com o sacerdócio. Se revelam cruéis, insensíveis, soberbos e contenciosos. O suplicante, por sua vez, oferta do seu pouco junto com uma multidão incalculável de desesperados, criando do seu pouco somado verdadeiras fortunas, que viabilizam projetos faraônicos e estilos de vida nababescos.
Dízimo? Que ofensa! Que opróbrio! Só de falar que isso é nossa “obrigação”, muitos dos que caíram pelo caminho, enojados com o que viram e ouviram, cospem impropérios e chamam os tais “homens de Deus” de chacais, sacerdotes de rapina e adjetivos piores.
E aí vem a segunda razão. Quando não é proposto como um negócio, é imposto como uma obrigação. Temos que entender a diferença entre lei e obrigação. Não sou obrigado a obedecer a “lei da gravidade”. Ela simplesmente funciona. Coopero com ela, pois o mundo que Deus criou é assim e pronto. Mas, com um tom que lembra a ira dos deuses, quantos pastores sacam o tão conhecido Malaquias 3 para, mais uma vez, passar um sabão no povo. Chegam a chama-los de ladrões. “Que vergonha, vai dizimar, seu quase-ímpio!”. O tom denuncia uma total falta de compreensão do espírito dessa coisa. Não entendemos como o “dar e receber, receber e dar” é algo que “restaura a alma” (Sl 19).
Ousaria eu falar deste assunto sem ser imediatamente associado a esses? Não há como. Alguns vão me censurar. Não posso sequer me defender. Mas posso voltar para as Escrituras e mostrar que de algum lugar belo, das Sagradas Letras, há uma palavra que foi usada com propriedade e temor. O dízimo é uma dessas palavras. Está nas Escrituras e é algo que restaura a alma.
Já fui avisado a não fazer “séries” nos meus posts. Já fui alertado que pessoas não têm paciência para ler mais do que um post. Pena. Para algumas coisas precisamos ter mais paciência e mais disciplina. Vou pecar contra a blogosfera e insistir em continuar esse assunto no próximo post. Quero mostra como o culto a Deus compreende tanto o receber quanto o ofertar. Ainda quero mostrar que Jesus não descartou o dízimo. É isso mesmo. Ele afirmou o dízimo. Mas para que eu possa provar isso, vou dar mais um tempo para refletirmos.
As torcidas já devem estar ensandecidas. De um lado, posso ouvir brados, “Manda Bispo. Rasga o verbo. Mostre a estes não-sei-o-quê quem manda!” Por outro lado, já vejo os feridos se armando. Imaginam que mais um pseudo-servo de Deus vai vir acrescentar fardos aos seus ombros tão machucados. Prometo “desapontar” a todos. Mas espero ajudar a todos, também.
Aos viciados em respostas rápidas e avassaladores, peço desculpas. Aos que querem realmente aprender, convido para uma curtíssima jornada. Não vou demorar muito. Mais um ou dois posts e prometo que esse assunto terá um desfecho, se não uma solução. A Blogosfera que me aguente. Me recuso me submeter à “lei do imediatismo”. Essa obrigação não aceito.
Na paz,
+W