Passada a Copa do Mundo, nossos olhares se voltam para a corrida presidencial. Entre a bola e a urna, ainda estamos sofrendo com a indigestão da festa alemã contra nosso elenco canarinho, mas muitos já preparam o discurso requentado que vamos “ter que engolir” (perdoe-me, Zagallo) até outubro. Só para não ficar de fora das muitas discussões, quero deixar minha reflexão sobre os desdobramentos daquele 7 x 1. Muitos postaram nas redes sociais dados e artigos mostrando o quanto a Alemanha goleia nosso país em outros campos (eu mesmo compartilhei um link sobre o tema). Educação foi o assunto campeão nesse quesito.
Ninguém é louco a ponto de não defender educação, melhorias nas escolas, valorização do professor etc. Como fiéis herdeiros da tradição reformada, queremos ver o povo lendo, escrevendo, pensando, crescendo. Mas todo esse hastear de bandeiras pró-educação esconde uma sutil tentação: achar que é isso que vai mudar o nosso coração. Educação não é a visão redentiva da fé cristã. Só Jesus redime.
Aqui vale a pena lembrar que a Alemanha é o berço do liberalismo teológico, que até hoje dá seus frutos amargos. Toda aquela educação não foi capaz de renovar as mentes (brilhantes, por sinal), o que só pode ser realizado pela luz do Evangelho. Ao contrário, obscureceu-as. Julgando-se sábios aqueles alemães tornaram-se loucos (Rm 1.22).
Hoje a fé cristã está adormecida naquele pedaço de chão europeu. Uma lástima, considerando que foi lá que Lutero começou o incêndio que se alastrou por todo o velho continente e resultou no rompimento com a Igreja Romana medieval, na redescoberta das Escrituras, da vida comum, do valor da arte e da ciência. Vamos olhar para frente agora. Outubro está chegando…
Mais uma vez somos tentados a apostar todas as fichas ou a nos retirarmos do jogo. Uns protestam e aos gritos virtuais (ou reais) de “Fora Dilma!” alimentam a esperança de que a oposição irá nos redimir. Outros se calam… e calados ficam. Deixe-me oferecer uma direção com base nas Escrituras. O texto é Atos 4.23-30 e se você puder lê-lo, vai acompanhar melhor o restante desse artigo.
Após a soltura de Pedro e João, a comunidade de crentes ali reunida levanta a voz em oração. É esta curta oração que contém as diretrizes para entendermos o desafio que enfrentamos e lança luz para agirmos de modo agradável a Deus.
Destaco 5 coisas importantes:
1. Eles conheciam o Deus revelado nas Escrituras. A oração começa com uma declaração simples, mas plena de significado: “Ó Soberano, tu fizeste os céus, a terra, o mar e tudo o que neles há” (v. 24). Só Deus domina sobre tudo e todos. Cada ser vivo, cada evento da história, absolutamente nada escapa aos olhos atentos do Soberano. Esta é uma declaração da grandeza de Deus, mas também da confiança que é gerada em nossos corações por conhecê-lo.
2. A Palavra de Deus é verdadeira e é imprescindível para entendermos os nossos dias (vv. 25 e 26). Em oração, aqueles irmãos citam o Salmo 2.1,2. Isso mostra que nossas orações devem ter por base as próprias palavras que Deus inspirou. Mais que isso, mostra que, embora tenham sido escritas séculos antes daquele momento registrado em At 4, ainda era o critério seguro para que eles pudessem interpretar a realidade. Isso fica claro pelo início do verso 27: “De fato”.
3. Eles tinham consciência do seu tempo e interpretavam tudo à luz dos propósitos eternos de Deus. Como disse, a expressão “de fato” no início do verso 27 liga a Palavra inspirada ao momento histórico. Aqueles humildes irmãos tinham perfeita consciência do que estava ocorrendo no seu tempo; não eram “alienados”. Entendiam a composição de forças, quem a liderava, com que objetivo o faziam. Só a titulo de exercício, tente reescrever o verso 27 pensando em nossos tempos. Vale incluir tudo o que vc julgar pertinente: partido político, grupos organizados ou não, entidades, pessoas influentes. Agora, observe, o que quer que possa ser escrito nesse exercício não alterará em nada o verso 28 – Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse. Deus não é soberano? Assim, tudo o que os poderosos tramam, tudo o que é alinhavado nos corredores do poder, toda mobilização violenta ou pacífica, cada aliança, cada discurso estão debaixo do poder e a vontade de Deus.
4. Prioridade da missão (v. 29). Este trecho é surpreendente, mas é a decorrência lógica de tudo aquilo que foi dito antes em oração. Considerando a soberania de Deus e que, exatamente por isso, nada escapava ao seu poder e vontade, nossos irmãos simplesmente entregaram nas mãos de Deus aqueles homens: “considera as ameaças deles”. O urgente e importante era a missão: pregar o evangelho redentor e transformador. Por isso pediram capacidade para anunciar corajosamente a Palavra.
5. Zelo pela glória de Deus (v. 30). Eles clamaram também por sinais. Sobre esse trecho, comenta Sam Storms:
Se as nossas orações por poder nascem de um desejo de ver Deus glorificado e seu povo curado, penso que dificilmente Jesus nos responderia como fez aos lideres religiosos de seu tempo. Quando uma paixão por dons milagrosos é despertada, não por uma ânsia egoísta pelo sensacional, mas pela compaixão por almas doentes e desesperadas, Deus só pode se agradar.
Esse é o ponto chave: a glória de Deus na condução da história, na pregação da Palavra, no sofrimento de seus discípulos, na operação de sinais e maravilhas.
Ao nos aproximarmos de um momento tão importante, devemos nos prevenir contra dois extremos: o otimismo ingênuo ou o pessimismo paralisante. Este mundo será sempre “o mundo”, governado por aqueles que Apocalipse retrata como bestas, mas Deus é o Soberano e sua Palavra é a lente que devemos usar para entendermos nossos dias e agirmos nesse tempo conforme seus propósitos.
Storms, Sam. Dons Espirituais: uma introdução bíblica, teológica e pastoral. Rio de Janeiro: Anno Domini, 2012.