O pintor belga surrealista René Magritte pintou um quadro de um cachimbo simplesmente. Embaixo do objeto e, em francês, escreveu: Isto não é um cachimbo. Ele é um dos meus artistas plásticos prediletos. Sua técnica não foi nada excepcional. Entre artistas ele não é considerado um talento extraordinário, mas foi um pensador extraordinário. Suas imagens enigmáticas incluem o famoso retrato de um homem vestido de terno e chapéu inglês com uma maçã verde flutuando à frente de seu rosto. São quadros que nos levam a pensar.
Bom, pelo menos levavam. Hoje em dia, o surrealismo de Magritte, Salvador Dalí, De Chirico, Miró e outros tantos serve mais como ilustração de propagandas e decoração de salões do que propriamente uma provocação à reflexão sobre o mundo e sobre a filosofia. Não sabemos mais fazer uma leitura de comunicação sutil e artística. Somos brutalizados e mais vale uma torta na cara do que um quadro que exige mais do nosso tempo e o exercício dos nossos neurônios flácidos e atrofiados.
A mente é um músculo preguiçoso. Se não houver esforço nosso, sempre seremos atraídos pelos meios que menos exigem o seu exercício. Por isso mesmo, temos dificuldade em compreender as coisas. Dependemos de flashes, sound bites, factoides e opiniões que não exigem qualquer tipo de reflexão. Como passarinhos, queremos que alguém mastigue a nossa comida mental e depois, com bicos escancarados, piando desesperados, esperamos que alguém “relevante” nos enfie goela abaixo o suficiente para nos alimentar – para que não caiamos no limbo mental que, de fato, já é onde moramos faz tempo.
Se alguém olhasse o quadro de Magritte, sem entender o francês, concluiria que estaria perante um cachimbo. Mas o artista queria nos fazer pensar. Claro que não é um cachimbo. É uma representação artística de um cachimbo – uma pintura de um cachimbo, mas não um cachimbo.
A ambiguidade da comunicação é algo que poucos entendem. Linguagem é um instrumento de comunicação tremendamente limitado. Tragicamente, não entendemos os seus limites e, assim sendo, nadamos num caldo de equívocos diários. Termos como “evangélico”, “católico”, “cristianismo” e tantos outros são empregados sem a menor noção da sua incrível complexidade e da sua frustrante ambiguidade. Tratamos estes termos como denominações que podem ser identificadas com uma exatidão quase científica. De longe, todo católico é papista, marista, tomista, idólatra, preconceituoso e, por que não dizer, petista? De longe, todo evangélico é biblicista, conservador, retrógrado, preconceituoso e, já foi dito, “otário” também.
Paradoxalmente as duas vertentes caem debaixo de um termo, por demais ambíguo e equivocado que é “Cristianismo”. Esqueça por um instante o que dizemos, uns sobre os outros e fiquemos apenas com o que dizem a nosso respeito. Os que não são da fé nos veem como farinha do mesmo saco. Somos antidemocráticos, homofóbicos, preconceituosos, fanáticos, medievais, fruto de lavagem cerebral e desmiolados por crermos na existência de um Deus – somos simplórios e supersticiosos.
Protestamos! Somos “crentes”. Só que demônios também são crentes. O QUÊ?! Sim, foi o que Tiago disse: “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem! (Tiago 2.19). A crença que leva a tremer é demoníaca. Somos crentes? Sim, mas a forma como reagimos ajuda a definir melhor esta palavra – ambígua, por sinal. Está vendo que bradar um título não é o suficiente para se fazer entender? Isso é coisa de propagandista e não de quem quer se comunicar.
Ambiguidade não mora no meio de comunicação, mas é fruto do barulho que ressoa dentro de nós. O barulho mental é fruto de boatos, desinformação, mensagens ouvidas, pedaços de programas de TV ou rádio, conversas de botequim e por aí vai. Por não organizarmos os nossos pensamentos e discipliná-los por leitura, estudo e reflexão, linguagem acaba servindo mais para confundir do que para elucidar. As dúvidas e os equívocos se multiplicam e francamente, não sei como não enlouquecemos. Talvez por isso mesmo é que Friedrich Nietzsche disse: “Loucura em indivíduos é raro, mas em agremiações, sociedades e governos é a regra”.
O manicômio mental rende dividendos para os que sabem usar os equívocos em benefício próprio. São comunicadores que sabem que os pintinhos precisam da bocada, goela abaixo. Mastigam as suas falácias e a sua propaganda e, misturado ao gosto da sua própria saliva (e por que não dizer “lábia”), “alimentam” os pintinhos aos milhares, que nunca aprenderam a voar e nem sequer a mastigar o bom alimento por sua própria conta. E os pintinhos aplaudem, elogiando o brilhantismo desses “homens de Deus”. Trágico e calamitoso espetáculo do absurdo coletivo.
Mas, onde está a chave do manicômio? Como sair? Como aprender a voar? Desligue a TV. Leia. Leia o que puder. Faça um seminário. Frequente uma igreja que ensina a Bíblia. Carregue um bom livro contigo sempre. Senão, vai acabar folheando a revista “Caras” enquanto espera por sua vez no dentista. Hora perdidas. Mentes perdidas. O manicômio está lotado. Estamos nos acotovelando de tão abarrotado que está. Praguejamos, com as mesmas palavras que ninguém compreende.
É uma realidade irônica. Numa sociedade que tem a seu alcance tantos meios de comunicação: televisão, literatura, rádio, revistas, teatro, cinema, Internet etc, nunca nos vimos tão isolados, tão carentes de clareza… e tão perdidos.
Para quem quer se fazer entendido, é uma verdadeira idade medieval. Mas não vou desistir e sei que há outros que estão tentando ponderar, mesmo que a sua voz pareça um sussurro perante o furor de ondas ensurdecedoras. Quem ouvir faz bem.
Na paz
+W