Nós, seres humanos, somos emblemáticos. Isso significa que temos o costume de nos cercar de símbolos que refletem os nossos valores, as nossas experiências e, principalmente, a nossa identidade. Cada tribo tem seus indicadores próprios, que apontam seus integrantes. Cada profissão, clube, credo e fase da vida é prontamente identificada por roupas, adesivos, camisetas, tatuagens e uma pletora de produtos, códigos, estilos e palavras. Os surfistas se apresentam como “brothers”, os militantes de esquerda como “companheiros” e os crentes em Jesus como “irmãos” ou “amados”.
Como evangélicos, fomos pioneiros no hábito de identificar até os nossos automóveis como pertencentes aos crentes. Sim, pois já faz muitos anos que começamos a pôr adesivos nos para-choques e para-brisas. Um hábito que parecia ser mais do mundo dos caminhoneiros passou a ser praticado por todo novo convertido, com o intuito de se identificar como tal. Cristo é meu copiloto; Tudo é força, só Deus é poder; e até o insólito Sou crente dizimista e daí? são adesivos que todos já viram, se não inúmeras vezes, com certeza pelo menos uma vez na vida. Se não fosse o bastante, fizemos escola: agora os católicos adotaram nosso hábito, com adesivos de Nossa Senhora, e até os espíritas têm os seus, como os de São Jorge e os que partem em defesa da reencarnação.
Mas, entre os evangélicos, cada evento, cada campanha e cada aniversário de igreja parece acabar numa camiseta. Já ganhei de presente mais peças de roupa de igrejas aniversariando do que queira me lembrar. Tenho uma pilha, não tenho coragem de me desfazer delas – pois sei o que representam para os que as confeccionaram.
Tenho falado sobre a comodificação da fé (isto é, a transformação dos nossos símbolos em bens de consumo) e a sua inevitável banalização. Não vou repetir os argumentos que já se encontram no meu livro, O Fim de Uma Era. Mas recentemente tenho me deparado com uma nova forma dessa manifestação, supostamente cristã. Só que de cristã não tem nada. Seguindo a linha da cantora Madonna, a nova versão desse tipo de artista, a Lady Gaga, tem usado e abusado de motivos sacros em suas roupas e nos símbolos dos quais se cerca. Tanto a primeira quanto a última praticam uma antiga forma de sacrilégio. Literalmente escracham os símbolos do sagrado. É sua forma de tentar chocar, agredir e se promover. Pois vale o ditado “falem mal mas falem de mim”.
A fama a qualquer preço é o alvo. E nada mais fácil do que apelar para a galera dos revoltados e dos irreverentes. Quem faz isso ainda consegue gerar uma espécie de prazer torpe nos rebeldes de carteirinha. Essa linha de sacrilégio tira do contexto o que é sacro e o perverte. Como pendurar uma cruz no pescoço de um porco ou no de uma mulher nua. Ainda choca. E isso não é fácil. Pois os tabus de outrora já não chocam mais. Temos nos tornado uma cultura bastante calejada. Essa atitude, no entanto, parece ainda preservar um quê de escândalo. E basta um gesto de censura que as tribos pagãs ficam em polvorosa e se lançam em cruzadas contra os “crentes retrógrados” e os seus “representantes hipócritas”, o clero.
Como assisti a esse fenômeno a vida inteira, não me choco mais. É o que é. Especialmente no mundo do entretenimento e das artes, de modo geral, o mundo moderno consegue sustentar um ar de sofisticação denegrindo os símbolos históricos da fé cristã.
Mas o que me choca, de uns tempos para cá, é que os fiéis têm lançado mão dos símbolos cristãos numa escala tão larga e com um mau gosto tão berrante que não consigo mais discernir entre o sacrilégio dos pagãos e o mau gosto dos fiéis. Tenho de olhar duas vezes. Tenho de me perguntar se o cristão que fez aquela camiseta possui uma noção mínima do que realmente é sagrado ou não. Temos nos misturado com os que se deleitam no sacrilégio, por meio da banalização.
Sei que gosto não se discute. Mas posso lamentar o profundo mau gosto de pessoas que não têm a menor noção do quanto estão banalizando o que é realmente importante. Estampar o rosto de Jesus na cruz em uma camiseta é realmente algo que não entendo. Pegar a logomarca de um produto popular e substituir as letras com algo “cristão” é nos pôr no meio do caldo mercantilista mundano. Prefiro usar uma camiseta com uma onda ou o nome de uma loja do que uma que diz Jesus Cristo: isto é o que é. Parece uma piada de mau gosto. É lamentável que, para os que criam esses produtos, a única motivação seja o lucro – faturar às custas de crentes desavisados e com o desejo sincero de tentar cercar suas vidas com algo que exprima a sua devoção.
Difícil discutir isso, não? Então, por hoje, vou me limitar a lamentar o fato.
Na paz,
+W