Gênesis é o livro de origens: dos céus e da terra, dos animais selváticos e dos animais domésticos, da própria humanidade – sua criação especial. O livro nos mostra a origem da inimizade entre os homens – especificamente entre os filhos de Deus e os filhos “dos homens”. Entre essas e tantas outras coisas, Gênesis também nos relata a origem do medo. Sim, do medo. Veja o texto que relata o que aconteceu, logo após a desobediência de Adão e Eva:
Ouvindo o homem e sua mulher os passos do Senhor Deus que andava pelo jardim quando soprava a brisa do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus entre as árvores do jardim. Mas o Senhor Deus chamou o homem, perguntando: “Onde está você?” E ele respondeu: “Ouvi teus passos no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; por isso me escondi”. E Deus perguntou: “Quem lhe disse que você estava nu? Você comeu do fruto da árvore da qual lhe proibi comer?” (Gn 3.8-11)
A promessa ou, melhor falando, o alerta que Deus fez aos dois foi que, se comessem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, certamente morreriam. Todavia, vemos que após comerem o fruto, continuaram a andar, falar e “viver”. Mas, a verdade é que morreram sim. Morreram no sentindo mais espiritual da palavra. Pois perderam comunhão com Deus. Perderam a confiança na presença de Deus. Perderam a sua ligação com a fonte da vida.
Para usar uma figura que já citei aqui muitas vezes, como lâmpadas foram desligadas da tomada e, assim, deixaram de brilhar. Longe de Deus, desligados de Deus, eles não tinham mais o sopro de vida real, espiritual e transcendente que só a comunhão com Deus nos proporciona.
Seu medo, segundo Adão, foi o resultado de terem percebido a sua nudez. Mas não foi nudez que os afastou de Deus. Sim, porque até aquele momento tinham vivido nus e na presença de Deus, sem medo. Só que, sem Deus, sem o sopro de vida, a sua nudez passou a significar outra coisa. Eles se viram sem proteção, sem cobertura e, pela primeira vez, com necessidade de se esconder. Na inocência, não havia o que esconder. Sua nudez nada significava. Mas na sua desobediência, tinham que se cobrir. E mais: tinham que se esconder de Deus. Quando Ele “desceu” para o jardim eles sentiram medo. É a primeira vez nas Escrituras que essa palavra é usada. E, portanto, essa narrativa nos diz algo fundamental sobre a natureza do medo.
Medo é o resultado direto da nossa distância de Deus. Medo é a condição natural de quem não está ligado a Deus, de quem não tem Deus como a sua cobertura e de quem tem o que esconder.
Veja como Davi é muito claro sobre esta relação entre o medo e a presença de Deus: Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem. (Sl 23.4) A presença de Deus foi a sua fonte de confiança e a razão de não sentir medo, mesmo perante a possibilidade da morte.
Veja que o primeiro casal foi avisado de que morreria se desobedecesse Deus. Perante a fonte da vida eles tiveram medo e se esconderam. Davi, por outro lado, deixou de sentir medo perante a possibilidade da morte devido à presença da fonte da vida. A inversão do processo que leva ao medo não poderia ser mais clara.
Quando John Wesley atravessou o Oceano Atlântico para visitar a América houve uma grande tempestade. Todos sentiram medo, menos um grupo de pietistas – chamados morávios – que tranquilamente contaram hinos a Deus. Fascinado, ele viu naqueles peregrinos uma confiança em Deus que ele mesmo ainda não conhecia. Mudou a sua vida. Ele viu que ainda lhe faltava uma confiança em Deus que claramente aqueles irmãos na fé já tinham alcançado, e que ele, mesmo sendo um cristão, não tinha.
Muitos cristãos sentem medo. Aliás, há quem diga que quem não sente medo nesses dias tenebrosos em que vivemos ou é um alienado, ou é meio maluco. Será? Há cristãos que lutam contra o medo por razões legítimas: depressão clínica, trauma etc… Eles precisam de cura e muita compreensão dos que estão ao seu lado. Mas muitos simplesmente vivem temerosos, inseguros e tímidos porque ainda não acharam em Deus a sua fonte de segurança. São anormais? Não. São fracassados na sua fé? Também não. São pessoas que ainda precisam aprender que relação é esta entre nós e o Pai.
Certamente Wesley, um cristão fervoroso, aprendeu com os pietistas morávios. O próprio discípulo de Paulo, o jovem Timóteo, sofreu de nervosismo, insegurança e até de um problema estomacal. Paulo chegou a sugerir que ele tomasse vinho para melhorar o seu estômago. O encorajou a não deixar que ninguém o desprezasse por causa da sua pouca idade. Teve ainda que o admoestar para não deixar de exercer os dons espirituais que recebera com imposição de mãos (sugere timidez). Sim, até o Bispo de Éfeso sofria de temores. Então a falta de confiança não deve ser motivo para nos condenarmos.
Mas Paulo deu a reposta a este problema na sua carta aos Romanos: Pois vocês não receberam um espírito que os escravize para novamente temer, mas receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: “Aba, Pai” (Rm 8.15).
Se você for como eu, passa dias ruins e outros melhores. Às vezes você se sente como se estivesse pisando em lugares celestiais com Deus. Nenhuma notícia o abala. Outras vezes parece que vive no vale da sombra da morte. Medo nos mostra duas coisas. Uma certamente é a percepção da nossa nudez, da nossa carência e da nossa condição indefesa. A outra é que precisamos mais de Deus. Precisamos nos apegar a Ele. Precisamos mais e mais do Espírito de Deus.
Neste sentido, medo não tem tratamento. Medo foge quando Deus está conosco. Oremos mais. Não para que Deus tire o medo. Oremos para que Deus venha a fazer habitação conosco. E Ele quer exatamente isso. Jesus mesmo disse: Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo (Ap 3.20). Ouçamos a voz. Do resto, Ele certamente cuidará.
Na paz,
+W