A Internet está servindo de palco para o maior vale-tudo de todos os tempos. Como o mais amplo fórum aberto a discussões da História da humanidade, a web possibilita como nunca antes que pessoas de todos credos, raças, gêneros, idades e classes sociais digam o que pensam sobre tudo. Tribos inteiras se ocupam dos assuntos mais diversos, desde a vida privada de celebridades até descobertas incríveis nas ciências. E há grupos que só querem anarquizar.
A Igreja está bem presente na Internet e as discussões voltadas para ela são como um furacão soprando por ambientes virtuais, como Twitter, Facebook, blogs e salas de chat. É um furacão que gira em torno, principalmente, da revolta com o estado em que a Igreja se encontra em nossos dias. Ela se manifesta em duas facções principais: a revolta que parte de pessoas que foram machucadas no ambiente eclesiástico e uma revolta ideológica. Essa – que será o foco deste post – não se fundamenta num sentimento de dor pessoal, mas num desprezo pelo que se percebe como o desvirtuamento dos rumos do povo de Deus.
Assim, os adeptos da Missão Integral estão fartos de quem se diz cristão mas não levanta um dedo para ajudar o próximo – não concordo com todas as suas conclusões missionais, mas são pessoas de um sentimento cristão real e precisam ser ouvidas. Já os reformados estão de vento em popa: há um ressurgimento vigoroso desse campo vital de interpretação bíblica, que vejo com bons olhos. Os mais jovens, em geral, andam muito bélicos e parecem ter mais interesse em ter razão do que em realmente promover paixão por Deus. Há muitos outros campos e, se começar a enumerar a todos, vou deixar de dizer o principal.
Além de sugerir rumos e soluções, muitos tecem comentários sobre outros campos da Igreja ou levantam críticas contra líderes e contra movimentos. Não nego que tenho feito exatamente isto. No meu livro O Fim de Uma Era mostro muito daquilo que está destruindo a Igreja e a levando a uma falência institucional como existe hoje – muito embora saibamos que a Igreja nunca acabará. Mas é certo que passará, em breve, por mudanças cataclísmicas e calamitosas. Haverá um remanescente fiel, como sempre há. Mas a parcela majoritária da Igreja como a conhecemos não tem como sustentar seu ritmo e sua metodologia por muito tempo.
Como sou um dos analistas dos tempos e dos movimentos da Igreja e exponho minha visão neste gigantesco fórum aberto que é a Internet, naturalmente essa visibilidade me torna passível de receber a minha parcela de críticas. Isso não me incomoda, em absoluto. Quero que as ideias sejam debatidas. Como pedras que se afiam, temos de deixar que nossas percepções batam de frente, desde que a discussão seja franca, bíblica e informada. Claro que – como há muitos que não sabem argumentar de forma civilizada e, por que não dizer, cristã – recebo respostas que me atacam pessoalmente. É um golpe baixo, vindo de quem não tem noção sobre como se conduzir no diálogo.
Fé é inegociável e mexe profundamente conosco. Só que, frequentemente, confundimos o negociável com o inegociável. E, quando isso acontece, achamos que, por uma pessoa criticar o que um líder faz, o estamos desmerecendo por completo. Só que isso nem sempre é verdade. Criticar o que alguém faz não é desqualificá-lo, é simplesmente apontar o seu erro.
Por que digo isso? Pois uma das respostas mais frequentes de quem não tem argumentos para refutar uma crítica a algum líder que admira é: “Não levantareis a mão contra o ungido do Senhor”. Aparentemente, faz sentido bíblico. Mas na realidade, não faz: é uma má aplicação hermenêutica. E é uma resposta que desvia o foco completamente do assunto em pauta. Essa é uma resposta definitiva para quem acredita que esse argumento blinda todo e qualquer sacerdote de toda e qualquer crítica. Só que seu propósito é desqualificar o direito de crítica. Ou seja: por essa argumentação, devemos nos calar perante os “ungidos”, independentemente do que fazem ou dizem. São intocáveis. Só que a verdade inquestionável é que alguns dos “ungidos” dizem absurdos e tomam atitudes que os desqualificam como servos de Deus.
O argumento “não levantareis a mão contra o ungido do Senhor” acha sua origem no primeiro livro de Samuel. Davi estava jurado de morte por Saul. Mesmo assim, ele se recusou a levantar a mão contra o seu rei, que tinha sido ungido pelo profeta Samuel. Por isso, limitou-se a fugir. Mesmo quando teve a oportunidade de matar seu opressor ele não o fez, por respeito à unção de Deus sobre a vida dele. A grande questão é que essa passagem não pode ser usada como desculpa para deixar qualquer “servo” fazer e dizer o que bem entende sem que isso seja criticado. E provo na Bíblia.
Paulo deixa claro que há líderes que nem crentes são (Fp 3.2). São o que ele chama de “cães”. João se referiu a eles como “anticristos” – líderes que fazem mal à própria Igreja, levantando-se como inimigos da fé verdadeira (1 Jo 2.18). O apóstolo Paulo diz em Gálatas 2.11 que enfrentou Pedro, porque sua atitude era condenável. Atos 15.39 mostra que Paulo e Barnabé tiveram um desentendimento “tão sério” que se separaram. Esses são precedentes bíblicos para a crítica clara e objetiva a atos e palavras dos que lideram na Igreja. Portanto, não há como desqualificar quem quer que seja só porque levanta observações legítimas sobre aspectos condenáveis ligados a líderes eclesiásticos. Não se trata de “levantar a mão contra o ungido do Senhor”. Isso se refere a Davi e a sua atitude de não se defender pessoalmente por meio de um assassinato. Fazer uma aplicação no Novo Testamento dessa atitude Davídica é um erro teológico elementar.
Consequentemente, o argumento não procede.
Líderes não são intocáveis. São merecedores de respeito, naturalmente, mas não estão acima de críticas. O apóstolo Paulo diz que merecem honra dobrada e até salário dobrado. Mas jamais, no Novo Testamento, são apresentados como intocáveis, muito menos inquestionáveis. Por isso, continuemos, sem nenhum receio, a debater, analisar e até mesmo denunciar quando um líder abusa de seu chamado em Cristo.
Na paz,
+W