“De menina pra menina: romance água com açúcar de filme é gostosinho de ver, mas afeta negativamente nossas noções de amor, né. #melhorevitar”. Faz pouco tempo que essa mensagem apareceu na minha linha do tempo do twitter. Com menos de 140 caracteres, frases como essa circulam o mundo. Essa veio de uma moça de 19 anos. Lucidez impressionante. Mas até que ponto essa mensagem é urgente? Como esses filmes, as tão celebradas “comédias românticas”, têm influenciado esta geração? Devem ser evitados? É possível? Estou sendo um chato? Isso é coisa de velho que reclama que o mundo não é mais como nos tempos dos mil réis? Nada disso.
Não estou reclamando dos “jovens de hoje em dia”. O romance hollywoodiano é um fato há décadas. Os conceitos de amor romântico, do príncipe encantado e da princesa adormecida são coisa de antigamente. Entretenimento leve. “Filmes para meninas” – é como chamávamos esse gênero eu e os meus colegas de faculdade. Se fosse para pedir uma moça para sair e assistir a um filme teria que ser um desses. Na minha época o filme obrigatório era “Love Story”. Creio que não somente eu, mas todos os meus amigos foram obrigados a assistir a esse filme por imposição da namorada. Suspiros, lágrimas, “love is in the air”, explode coração. Nós queríamos ver “Duro de Matar”, “Rambo” e “coisas de homem”. Mas, se fosse para sair com a namorada, tinha que ser água com açúcar. Só os brutamontes insistiam em levar a namorada para filmes de ação (ou seja, violência, brutalidade, crueldade, sangue e morte).
Li um artigo recentemente (e aqui peco por não me lembrar onde nem quem foi a autora, lamento) de uma escritora cristã que alugou o filme “Sintonia de Amor”, com Tom Hanks e Meg Ryan. Ela queria assistir ao filme na companhia das suas duas filhas pré-adolescentes. Em menos de trinta minutos algo lhe ocorreu e cito aqui o que ela escreveu: “Meu Deus, isso é pornografia emocional!” Palavras dela, não minhas. Ela percebeu que aquele filme lindo, emocionante e predileto de muitos pintava um retrato absolutamente falso do amor e dos homens, de modo geral.
O filme já começara e ela se viu na obrigação de assisti-lo com suas filhas até o fim. Ao terminar, desligou a televisão e teve uma boa conversa com elas. Considerei seus argumentos interessantes e lembrei deles ao ler o tweet que mencionei no início do texto. Segundo a autora, a pornografia é uma violação da ordem divina do mundo. Faz da mulher um objeto. Cria uma imagem absolutamente falsa de mulheres. Gera nos homens um “ideal” que nasce dos seus instintos naturais, mas cultivados fora da ordem criada por Deus, ou seja, no contexto de laços matrimoniais. É importantíssimo entender que a Bíblia não é um manual para uma vida pudica. A Bíblia celebra a sexualidade e o amor romântico. Basta ler o livro de Cantares (que, por sinal, era proibido para menores em Israel). Há uma celebração de beleza, de romance, de desejo, de carícias – e em termos razoavelmente explícitos. O homem se encanta pela beleza do corpo da amada. A mulher se enche de desejo pelas carícias do seu amado, como também pelo seu corpo. Mas tudo transcorre no contexto de uma união abençoada por Deus.
Há uma frase que o autor repete: “Mulheres de Jerusalém, eu as faço jurar: Não despertem nem incomodem o amor enquanto ele não o quiser.” (Ct 2.7, 3.5, 8.4). Essa emoção é algo que deve ficar adormecido até que a vontade humana seja empregada, até a hora certa. Em outras palavras, o amor é algo que nós despertamos quando quisermos. Está sob nosso controle. “Ah, mas o amor acontece! Ninguém pode controlar o amor”, protestam os adeptos da comédia romântica (e é aqui que mora o perigo desse gênero cinematográfico). Os inimigos no filme acabam “caindo” um pelo outro. No fim do longa-metragem, o rapaz, que é um sem-vergonha, acha redenção no amor da menina, que não resiste aos seus encantos. Não é à toa que muitas moças caem na conversa de malandros que se encaixam no ideal hollywoodiano. Afinal, foram instruídas e formadas na escola do romance moderno. São presas fáceis, pois seus corações foram preparados para um amor “avassalador”. E, por causa da “pornografia feminina”, o homem também se torna um objeto, fruto dos seus desejos legítimos de romance, mas corrompidos. Os rapazes vivem a procurar “a garota dos sonhos” e acabam seduzidos por mulheres que se apresentam dentro do mesmo ideal hollywoodiano.
Não é de se surpreender que haja tantos casamentos falidos hoje em dia. O malandro encantador deixa de encantar e acaba sendo um pesadelo para a menina que caiu na sua lábia. A sedutora dos sonhos acaba se transformando numa mulher normal e deixa de ser a boneca de luxo e o bibelô que aparentava. Acordam e descobrem que a pessoa com quem casaram ficou barriguda, calva, tem mau hálito de manhã (ah, se fosse só de manhã), passa dias de mau humor e não traz mais flores nos momentos inesperados. Vêm os filhos e os dois estão mergulhados numa operação de guerra, com toda a tralha (carrinho, fraldas, babador, mamadeira, talco e uma infinidade de acessórios). O corpo muda, o humor oscila, o tempo para andar de mãos dadas na praia ao entardecer se foi. Descobrem que terão de se sacrificar um pelo outro. Descobrem que a vida não termina no grande beijo debaixo da árvore, enquanto rolam os créditos. Descobrem que esse “amor” não vence tudo. Descobrem que vão “ter de conversar” (uma frase que, quando minha esposa fala, nunca promete ser boa coisa).
Ah, o amor de verdade vence. Mas não é o que Hollywood nos ensina. Como eu sei? Porque estou casado há 31 anos. A menina com quem me casei não é mais menina. Vejo nos olhos dela a menina com quem me casei, mas não ignoro as mudanças. Quem nos vê passeando de mãos dadas verá um casal beirando a terceira idade. Ninguém nos “paquera”. Quando recém-casados sim. Havia rapazes descarados que paqueravam a minha Martinha, e na minha frente. Eu brincava com ela dizendo “não é culpa deles ter bom gosto”. Afinal, por que ter ciúmes? Ela me escolheu.
Na lua-de-mel, Marta notou umas argentinas me paquerando (coisa que nunca notei, mas ela garante que aconteceu). Enfim, já não acontece mais. Mas posso dizer que eu a amo e ela me ama com um amor verdadeiro. Não sentamos no restaurante olhando nos olhos um do outro com o coração acelerado. Temos dias em que mal nos falamos. Eu acordo mal ou ela está chateada com algo e o coração não explode. O sofrimento, a doença e os desentendimentos mudaram quem somos. Temos história.
Errei. Ela errou também. Tem horas em que dá vontade de dizer “nem começa… já sei… nem vem”. Já tivemos as bodas de papel, de prata e brinco, dizendo que fizemos até “bodas de Lexotan”. Perdão e bem-querer é um exercício entre nós, que só funciona pela graça de Deus – uma renovação diária. Mas não a troco por nada neste mundo. O amor cristão é algo mais sólido, mais substancial, menos efêmero, menos dependente de “momentos”. Já esqueci o nosso aniversário de casamento 3 vezes. Sorte minha que ela se esqueceu, também, e nos mesmo anos. Passamos por águas muito profundas e tempestades que quase nos deixaram náufragos. Mas estamos de pé, graças a Deus.
Nosso caso de amor não começou com romance. Poucos sabem que eu a pesquisei antes de pedi-la em casamento. Eu não era o “tipo” dela e ela não era o meu. Mas concordamos em nos casar. Foi no nosso primeiro encontro de verdade. Já nos conhecíamos. Mas não “caímos” um pelo outro. Escolhemos, decidimos e, depois, deixamos o amor despertar. Mas essa já é uma outra história.
Sei que este é o blog de um líder e teólogo. Parece um assunto que não tem muito a ver com a vida cristã. Só que tem tudo a ver. Nada lhe trará mais alegria, mais frustração, mais sacrifício, mais abnegação, mais tristeza, mais necessidade de espiritualidade do que a pessoa com quem você compartilhará a sua vida. Que seja pelas razões certas que você se permite despertar para o amor. Mas que não seja antes da hora. Afinal, o amor é lindo. E, com cada ano que passa, compreendo isso mais. Um beijo para a minha amada Martinha e paz a todos vocês.
Na paz,
+W