Recentemente ouvi de um pastor, pregador e professor a quem muito admiro uma afirmação inquietante. Ao abordar um grupo de colegas pastores e pregadores da Palavra de Deus, o estimado irmão afirmou que, ao estudarmos a Bíblia, devemos fazê-lo na dependência do Espírito Santo (com o qual concordo inteiramente). Em seguida, ele afirmou, contudo, que não podemos delegar ao Espírito Santo o duro trabalho de investigação e interpretação das Escrituras Sagradas, como se o Espírito nos desse de graça todas as respostas quanto ao sentido do texto bíblico independente do nosso estudo árduo (de novo, concordo cem por cento). Contudo, em seguida, a título de ilustrar a importância do estudo minucioso do texto bíblico, o irmão defendeu que, se estivéssemos diante de um texto bíblico de difícil interpretação (como, por exemplo, 1Co 15.29, que trata do misterioso “batismo pelos mortos”), seríamos melhor servidos no esclarecimento do texto por um grupo de intérpretes ateus, porém treinados academicamente no estudo da literatura bíblica, do que por um grupo de leitores cristãos piedosos, porém sem o preparo acadêmico adequado para interpretar o texto em questão. Daí, concluiu o irmão, por mais importante que seja a oração pela direção do Espírito Santo em nosso estudo da Palavra, isso não exclui o estudo rigoroso e crítico do texto bíblico, valendo-se, inclusive, das ferramentas de investigação dos melhores acadêmicos bíblicos, independentemente das suas convicções anticristãs.
Bem, é justamente aí que começou a minha inquietação. Se entendi corretamente a colocação deste irmão, creio que ele tenha denunciado corretamente o anti-intelectualismo predominante entre os cristãos evangélicos da atualidade, que dão pouca ou nenhuma atenção ao rigor e labor necessários para a correta interpretação das Escrituras Sagradas. Inclusive, tal investigação pode ser bastante enriquecida pela contribuição de estudiosos acadêmicos, cujas ferramentas de estudo podem em muito enriquecer o nosso entendimento de textos bíblicos de difícil interpretação. Contudo, a meu ver, tal afirmação pode resultar em uma concessão desnecessária e desequilibrada a um intelectualismo antibíblico e nocivo à fé cristã. Como assim?
Tomando apenas como exemplo o texto bíblico mencionado acima (1Co 15.29) dentro do seu contexto maior (todo o capítulo 15 de 1 Coríntios): se quiséssemos entender a mensagem central deste capítulo (a ressurreição dos mortos), seríamos melhor servidos pelo grupo de leitores descrentes e mais academicamente qualificados ou pelo grupo de leitores crentes e menos academicamente qualificados? Sinceramente, por mais que os leitores acadêmicos e ateus pudessem elucidar certos desafios de interpretação de um versículo como 1Co 15.29, no todo, eles estariam totalmente desprovidos para compreender e interpretar o restante do capítulo que fala tão claramente sobre a certeza da ressurreição dos mortos em Jesus Cristo. Isto, porque, o intelecto por si só, desprovido da direção e convicção do Espírito Santo que inspirou o texto bíblico, pode até enxergar algumas nuanças do texto antigo, mas é incapaz por si só de apreender e assimilar a mensagem sobrenatural do texto – algo que uma mente menos academicamente preparada, porém regenerada, pode fazer, pela graça de Deus!
O que isso nos ensina sobre o papel do Espírito Santo em nossa leitura e nosso estudo da Bíblia? É verdade que o Espírito Santo não dispensa o nosso raciocínio e o nosso estudo para compreendermos a mensagem e o significado do texto sagrado. É verdade também que, em nossa investigação bíblica, podemos e devemos lançar mão de ferramentas de estudo compartilhadas com leitores descrentes, porém academicamente mais preparados do que nós, que podem elucidar o sentido do texto em seu contexto original. Contudo, devemos ter o cuidado de não confiarmos tanto nessas ferramentas e abordagens de estudo a ponto de perdermos de vista a nossa dependência do Espírito Santo para compreender corretamente a Palavra de Deus, algo que um leitor descrente jamais será capaz de fazer por si só.
No final das contas, não deveríamos nos contentar com uma opção ou outra: uma leitura acadêmica e descrente das Escrituras ou uma leituras simplória e crente da Palavra de Deus. Pela ação e capacitação do Espírito Santo, deveríamos buscar tanto a erudição como a piedade em nossa leitura da Palavra de Deus, unindo tanto um intelecto como uma vontade moldados e guiados pelo Espírito de Deus. Em suma, nossa dependência do Espírito Santo ao lermos e estudarmos a Bíblia percorre todo o processo de interpretação das Escrituras, desde antes de abrirmos nossa Bíblia, enquanto a estudamos e investigamos, até compreendermos a sua mensagem e significado, inclusive sua aplicação atual em nossos dias.