Os séculos passaram, os personagens e o cenário são outros, mas o desafio permanece o mesmo em nosso tempo e em nossa terra. Em nossa cultura e em nossa sociedade, vemos o esforço massacrante de uma elite secularizada e anticristã por marginalizar as Escrituras Sagradas como sendo relevantes apenas para a edificação pessoal dos que nela creem, sem nenhuma relevância para as diferentes áreas da vida pública e cotidiana: política e economia, saúde e segurança, sexualidade e família, educação e pesquisa científica, arte e cultura, e assim por diante. Mesmo dentro das igrejas ditas “evangélicas”, nota-se o crescente esvaziamento da autoridade final e absoluta da Palavra de Deus. Nos cultos públicos dessas igrejas, pouco se ouve da leitura pública, do ensino claro e da exposição fiel das Escrituras Sagradas. Devido à ausência da Palavra de Deus, como é de se esperar, pouco se vê uma conduta dos ditos “evangélicos” condizente com os santos padrões das Escrituras, seja dos “pastores” ou das suas “ovelhas”. E quem ousa defender a Palavra de Deus contra a maré de imoralidade e idolatria que varreu a igreja é rotulado de “retrógrado” e “ultrapassado” pelos “progressistas” e “vanguardistas” da moda.
Como podemos contornar tudo isso? Somente pelo retorno às Escrituras Sagradas como a nossa regra final de fé e prática, nosso firme fundamento. Toda edificação é tão forte quanto os seus fundamentos. Toda instituição é tão sólida quanto os seus pilares e alicerces. Com a Igreja não é diferente. Como bem enxergaram Paulo, Lutero e tantas outras gerações de fieis cristãos, a Igreja é tão forte quanto o seu firme fundamento: a Palavra de Deus inspirada, inerrante, infalível, clara e suficiente. Não foi a Igreja quem deu à luz a Palavra; pelo contrário, foi a Palavra de Deus quem deu à luz a Igreja. Só a Palavra de Deus é capaz de alimentar, fortalecer, proteger e guiar a Igreja em tempos tão moralmente confusos e espiritualmente caóticos como os nossos, tanto dentro como fora da Igreja.
Mas, será que isso é razoável? Bem, o que é mais razoável? Fundamentar a nossa fé e a nossa prática na areia movediça e falha da intuição, da razão, das experiências e das tradições humanas – que tantas vezes já falharam ao longo da História, como bem lembrou Lutero – ou na rocha firme da Palavra de um Deus soberano e infalível que tudo criou, sustenta e ordena neste mundo? Quem troca o firme fundamento da Palavra de Deus por qualquer outro fundamento – a razão, a intuição, a experiência e a tradição humana – está fadado a ruir junto com os seus pobres e perecíveis substitutos.
Bem, o que tudo isso exige de nós como igreja, como famílias e como indivíduos?
Como igreja, devemos nos primar pela centralidade da Palavra de Deus, especialmente em nossos cultos públicos. Ao nos reunirmos regularmente para cultuar a Deus, devemos nos dedicar a ler, orar, cantar, estudar, proclamar e celebrar a Palavra de Deus. Não aceitaremos substitutos: apresentações diversas, shows e entretenimento gospel(“evangélico”), correntes de cura e prosperidade, palanques políticos, ou coisas semelhantes. A Igreja é cria da Palavra de Deus. Somente a Palavra de Deus pode, então, nos alimentar, sustentar, fortalecer, guiar e proteger nestes dias maus.
Como famílias, também devemos nos primar pela centralidade da Palavra de Deus. Ela deve ser o motivo central das nossas conversas e interações familiares, seja entre cônjuges, pais e filhos ou entre irmãos de uma mesma casa. A Palavra de Deus deve ser o nosso assunto, em todo tempo e em todo lugar, como registrou Moisés em Deuteronômio 6.4-7:
Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.
Nossos lares, portanto, devem ser verdadeiros centros de treinamento e educação na Palavra de Deus – mais do que meros centros de lazer, entretenimento e descanso –, onde a Palavra é regularmente lida, ensinada, orada e cantada.
Por fim, como indivíduos, devemos ser pessoas que amam e devoram as Escrituras Sagradas diariamente. Devemos ansiar pela Palavra de Deus como o filho que anseia por ouvir a voz do seu pai, pois a Bíblia nada mais é do que a viva voz de Deus registrada para nós. E tudo mais que ouvirmos – na mídia, nos meios de comunicação, em sala de aula e na própria igreja – deve ser levado cativo à autoridade e arbitragem final das Escrituras Sagradas.
Como bem resumiu John Wesley, outro ilustre e humilde servo da Palavra de Deus na história da Igreja:
Sou uma criatura de um dia apenas, que passa pela vida como uma seta atravessa o ar… até que em alguns momentos não sou mais visto; caio em uma eternidade imutável! Quero conhecer uma coisa, o caminho para o céu… O próprio Deus foi condescendente em ensinar o caminho… Ele o escreveu em um livro. Deem-me esse livro! A qualquer preço, deem-me o livro de Deus! Eu o tenho: nele há conhecimento suficiente para mim… Sento-me sozinho: só Deus está aqui. Em sua presença, abro e leio o seu livro… Elevo meu coração ao Pai das Luzes… E o que assim aprendo, isso eu ensino.
Em suma, sola Scriptura. Somente as Escrituras Sagradas são a nossa regra final de fé e prática; e assim são porque somente elas podem nos levar a Cristo, onde o ouvimos e aprendemos a servi–lo, pelo que ele fez pela nossa salvação na Cruz do Calvário.