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Predestinação ou livre-arbítrio?

A palavra “predestinação” é tida como um opróbrio em muitos rincões. Para muitos é uma noção de que o nosso destino está “escrito nas estrelas”, o que “faz de nós apenas joguetes na mão de Deus”.  Protestam muitos dizendo que não somos fantoches. Afinal, Deus nos criou com uma capacidade de decidir, o “livre-arbítrio”. Vão além, dizendo que, ao nos criar com vontade própria, Deus literalmente renunciou o seu direito de decidir o rumo das nossas vidas e da humanidade. “Por amor” alguns dizem que Deus se anula perante a raça humana. Ele “queria” que as coisas fossem diferentes, mas “não pode” ir contra uma liberdade concedida.

O problema dessa visão de Deus se acha no fato de que em nenhum lugar da Bíblia existe uma afirmação da submissão da vontade de Deus à vontade humana. É certo que o homem toma as suas decisões. É igualmente certo que somos chamados para nos arrepender dos nossos pecados. Volição (vontade) humana é clara e evidente nas Escrituras. Mas em nenhum lugar vemos Deus se submetendo, ou se anulando, perante o exercício dessa volição humana.

Aliás, temos mais do que suficiente evidência sobre o soberano exercício da volição divina, que não pode ser frustrada. Mais: essa vontade divina subjuga a vontade humana. Vejamos alguns exemplos:

Jó 42.2 diz: “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado”.

Já nos Salmos, Davi disse: “O Senhor desfaz os planos das nações e frustra os propósitos dos povos. Mas os planos do Senhor permanecem para sempre, os propósitos do seu coração por todas as gerações” (Sl 33.10,11).

Salomão, em toda a sua sabedoria, afirmou: “Muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor” (Pv 19.21).

No que se refere à salvação, Paulo destacou: “Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou” (Rm 8.29,30).

Como também em Efésios ele disse: “Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado” (Ef 1.5,6).

Até Judas fez o que fez seguindo um propósito eterno de Deus. Jesus disse isso em João 17.12, na oração sacerdotal: “Enquanto estava com eles, eu os protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à perdição, para que se cumprisse a Escritura.” De fato em João 13.2 vemos que Judas agiu por sua própria vontade. E a sua vontade foi resultado da vontade de Satanás que o induziu a trair Jesus.

Para toda questão difícil, há uma explicação simples, rápida e errada. Quase todos se limitam a perguntar: “Então é Deus quem decide ou nós?” A explicação tem que ser um ou outro. Essa é a solução mais simples. Mas é a errada. A solução de qualquer problema requer uma compreensão de tudo o que está em jogo. Qualquer equação de matemática só terá uma solução – um número final, se todos os elementos forem mensuráveis. Mas este não é o caso. Nas equações entre Deus e o homem, só o último é mensurável, é compreensível. Deus não é. Ele é infinito, eterno, insondável e, consequentemente, temos que nos limitar ao que a Bíblia diz a seu respeito. Afinal, sou eu que exercito o meu livre-arbítrio ou é Deus quem determina tudo? A resposta é “sim” para ambos. Literalmente tanto eu quanto Deus agimos no pleno exercício das nossas faculdades. Mas o que prevalece é a vontade de Deus.

No caso de Judas, os propósitos de Deus requeriam um traidor. Deus determinou. As Escrituras (inspiradas por Deus) previram a vinda desse “filho da perdição”. Mas, na hora “H”, Judas também quis trair, sendo que a vontade de Satanás o induziu a tanto. Literalmente a volição dos três personagens fluiu como um rio só. Essa volição confluente não anulou Judas nem tampouco Satanás. Mas a vontade de Deus foi a mais perfeita. Os dois agiram com um propósito momentâneo. Mas realizaram a vontade eterna de Deus. Foi por meio da ação, nascida da vontade de Satanás e Judas, que os Seus propósitos eternos foram cumpridos. Como dois rios pequenos que se juntaram a um rio grande e forte, confluíram na mesma direção.

Há outro exemplo em José, achado em Gênesis 45. Quando José finalmente se revelou a seus irmãos, disse: “Eu sou José, seu irmão, aquele que vocês venderam ao Egito! Agora não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês (…) Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus” (Gn 45.4b-5, 8a). Mas os irmãos de José agiram com “livre-arbítrio” ou não? Claro que sim. Mas o seu “livre-arbítrio” confluiu com a vontade de Deus, que não pode ser resistida.

E por que Deus faz isso? Paulo diz em Romanos 9: “Pois a Escritura diz ao faraó: ‘Eu o levantei exatamente com este propósito: mostrar em você o meu poder, e para que o meu nome seja proclamado em toda a terra’” (Rm 9.17). Ele segue no versículo 19: “Mas algum de vocês me dirá: ‘Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?’ Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’ O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?” (até v.21).

As verdades bíblicas não nos exaltam. A Bíblia não é um manual para você se sentir poderoso e independente. Pelo contrário. A Bíblia nos põe em nosso devido lugar. Somos barro. Somos os vasos que Deus criou para realizar os seus propósitos e, no fim, trazer glória para o seu nome. Aceitando isso ou não, não deixa de ser a mais pura verdade bíblica. Agora, protestar a soberana vontade de Deus com base num argumento de “Ele ou nós”, é um protesto sem fundamento. Pois, Ele usa os nossos planos para realizar os seus propósitos. Nossas vontades confluem para um fim divino.

Na paz,

+W

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  • Reverendo Walter, o termo livre-arbítrio traz em sua expressão o equívocado significado de “agir independente de qualquer influência”, o termo reformado para a ação livre do homem (eleito) nas causas secundárias é livre agência, pois o homem natural jamais agirá livre de influência, ou ele serve a um Senhor ou a outro. Fique na paz, que Deus continue te usando para a sua glória!

    Rev Rachid Miguel

  • Caro Re. Rachid,
    Já dizia Jonathan Edwards. Mas os meus posts servem para tentar expressar as máximas da fé de modo novo e mais compreensível. É como pegar um diamante e gira-lo até que todas as facetas de luz fiquem expostas. Releituras nunca se propõe a serem originais, mas um trabalho de elucidação de um tesouro antigo.
    Na paz.
    +W

  • Bispo Walter, bom dia!

    Elucidar tal questão nestes dias é extremamente importante. Existem lideranças da atualidade simplificando por demais as questões que envolvem predestinação, por exemplo. Criam-se os jargões (Uma vez salvo, salvo para sempre!!!), sem analisar as especificidades, prestando um tamanho desserviço, em primeiro lugar, ao Evangelho e, em segundo, as lideranças sérias e comprometidas com a pregação da Palavra. Penso que o caminho é exatamente esse Bispo Walter: Caminhar direta e incansavelmente, rumo ao Alvo!
    Grande abraço! Paz e bem!

  • Muito boa Bispo sua colocação. Embora esse assunto gere muita “controvérsia”, não podemos deixar de falarmos sobre ele. É completamente escriturístico.

  • Lutero descreve que os únicos homens que exerceram Livre-arbítrio foram Adão e Cristo! Os demais possuem servo-arbítrio, isso em virtude do pegado.

    O texto de efésio 2.1 fala que “Ele nos deu vida estando nós mortos em nossos delitos e pecados”.

    Reflito com os irmãos aqui: Um morto não tem vontade alguma, não decide nada!

    Creio que o mistério Soteriológico é algo intangivel, imensurável (pelo menos em nosso atual estado).

    Toda a resposta aqui é temerária.

    Salvação pertence a Deus!

    Na paz de Nosso Salvador Jesus Cristo!

    “no essencial lunidade, no não essencial liberdade” (Agostinho)

  • Olá.

    Deus é soberano, mas criou o ser humano com capacidade de decidir. Esse livre arbitrio fez Adão pecar, e perdemos a comunhão espiritual. Jesus veio restaurar essa relação com Deus por meio do novo nascimento, vida de Deus em nosso espírito.
    Mas, mesmo que a pessoa nasça de novo em Cristo, em seu homem interior, permanece o livre arbítrio, as nossas decisões são respeitadas.
    Deus nos deu a palavra como nosso guia, nossa luz. Somos cooperadores de Deus por meio desse livre arbítrio.
    Deus propôs a benção e a maldição diante da humanidade. Deus se move por princípios, e esses desobedecidos, geram consquências, resultados.
    Então, parece que Deus designou o homem para viver em comunhão com ele, para colher coisa boas, mas se escolhermos não se submeter a essa vontade, então, somos julgados por mossas consequencias, colhemos coisas ruins.
    Creio que seria basicamente isso, a presestinação e o livre arbítrio.
    Se pecarmos, e não nos arrependermos, somos predestinados a perecer. Se agradarmos a Deus, somos predestinados a viver eternamente, aprendendo com o Altíssimo.
    Só sei que o diabo está predestinado por Deus a perecer no inferno.

    Deus abençoe a todos em nome de Jesus.

  • A respeito de livre-arbítrio e predestinação devemos entender acima de tudo que o nosso Deus é soberano e nós nada mais do que barro a ser moldado por suas poderosas mãos. Assim devemos permanecer em uma vida de fé e perseverança nestes dias maus, sabendo que Ele sabe quem são seus filhos. Amém. Bispo, que o Senhor Deus o abençõe e o isnpire com o seu Santo Espírito.

    na Paz.

  • Bispo,
    queria saber seu pensamento a respeito do texto de Jeremias 10.23 que indica que o homem nada escolhe.

  • Alguém descreveu uma analogia bastante didática quanto a questão da “predestinação”, a qual gostaria de compartilhar, sem que a mesma represente algum tipo de ofensa aos irmãos que se denominam calvinistas.

    RESUMO – No tocante à eleição e predestinação, podemos aplicar a analogia de um grande navio viajando para o céu. Deus escolhe o navio (a igreja) para ser sua própria nau. Cristo é o Capitão e Piloto desse navio. Todos os que desejam estar nesse navio eleito, podem fazê-lo mediante a fé viva em Cristo. Enquanto permanecerem no navio, acompanhando seu Capitão, estarão entre os eleitos. Caso alguém abandone o navio e o seu Capitão, deixará de ser um dos eleitos. A predestinação concerne ao destino do navio e ao que Deus preparou para quem nele permanece. Deus convida todos a entrar a bordo do navio eleito mediante Jesus Cristo.

    Não gostaria de me ater a discussões teológicas, somente tentar passar meu parecer de uma forma bastante simples, nem por isso simplista.

    Em minha opinião os anjos tiveram livre arbítrio, a partir do primeiro corruptor (lúcifer), que intentou corromper a todos os anjos, porém somente um terço aderiu a sua proposta de fazer seu próprio governo independente do Altíssimo.

    No jardim do Éden, a mulher que foi seduzida pela serpente, preferiu obedecê-la a ser fiel ao próprio Deus. O homem (Adão), por estar apaixonado, não esperou o entardecer para ver o julgamento que se daria contra Eva e usou do seu livre arbítrio para ser cúmplice da mesma desobediência.

    Fora do jardim, os dois filhos do casal tinham vontade própria, pois Abel ofertava ao Senhor com todo amor do seu coração, por isso dava o melhor. Caim, por sua vez, ofertava por obrigação e sem amor, ao ponto de sentir inveja do irmão que teve sua oferta agradável aos olhos de Deus. Por isso planejou matá-lo, tendo o livre arbítrio para não fazê-lo, segundo relato do próprio Deus.

    Esaú, mesmo tendo a força da carne para ser o primeiro dos gêmeos e consequentemente o primogênito das promessas, não valorizava com suas atitudes tal privilégio, a ponto de trocá-la sua primogenitura por um prato de lentilhas, por isso foi rejeitado pelo Senhor.

    O povo judeu, a partir de Abraão, foi separado para ser a nação eleita e levar a Palavra de Deus ao resto do mundo, porém foi rejeitado não só por não cumprir as Leis e os Profetas na íntegra, mas principalmente por rejeitar o próprio Cristo.

    Discípulo de Cristo,
    J.C. de Araújo Jorge

  • Antigamente tinha uma concepção errada sobre a teologia calvinista, e não aceitava de maneira nenhuma, achava todos que defendiam essa teologia um bando de pessoas exclusivistas, frias e egoístas. Depois que estudei mais sobre isso é que percebi como estava enganado a respeito dessa doutrina bíblica. Não sou um calvinista ainda, mas hoje minhas idéias se aproximam mais do calvinismo do que do arminianismo.

    Gostaria de perguntar para o Bispo o que pensa a respeito do Molinismo?