Considere este cenário hipotético, mas não incomum. O pastor de sua igreja está ministrando uma série de aulas sobre a carta de 1 Tessalonicenses. A cada semana no púlpito, ele tem diante de si a Palavra de Deus escrita, revelada e inspirada, a partir da qual (espero eu) ele elabora os seus comentários. Ao chegar ao capítulo 4, no qual Paulo discute o Arrebatamento da Igreja, ele diz que após um estudo cuidadoso e muita oração, acredita que o Arrebatamento ocorrerá antes da Tribulação.
Depois do culto, você está almoçando com um amigo que insiste que o Arrebatamento acontecerá na metade da Tribulação. Por sua vez, você está igualmente convencido de que o Arrebatamento ocorrerá somente após a Tribulação. O que está acontecendo? Vocês três estão lendo a mesma Bíblia, inclusive a mesma tradução. Cada um de vocês foi diligente no estudo da passagem em questão. Cada um orou por iluminação divina. Todavia, apesar da presença da revelação objetiva de Deus escrita, ao fim da leitura vocês têm interpretações conflitantes e aplicações diferentes de relevância dessa revelação para as suas vidas. Desejaríamos que Deus tivesse prometido garantir que a nossa interpretação e posterior comunicação da sua Palavra revelada seria sempre precisa. Mas Ele não o fez.
O que fazer então? Condenar o ensino e insistir no fato de que um dom tão obviamente suscetível a erros e usos equivocados seja banido da vida da Igreja? É claro que não. O fato é que você foi abençoado tremendamente pela série de sermões sobre Tessalonicenses e está entusiasmado com o que Deus está fazendo em sua vida. Você se dá conta de que somente a Bíblia tem uma autoridade divina intrínseca. O que seu pastor diz, no exercício do dom espiritual que recebeu, tem autoridade somente em um sentido secundário, derivado. O fato de seu pastor talvez ter deixado a desejar em suas habilidades interpretativas e homiléticas não é motivo para repudiar o dom espiritual do ensino.
Assim como o ensino, a profecia também se fundamenta em uma revelação dada por Deus. De uma maneira que excede a percepção sensorial comum, Deus revela à mente do profeta algo não encontrado nas Escrituras (mas nunca contrário a ela). Por ter vindo de Deus, a revelação é verdadeira. Ela é isenta de erros. Como a Bíblia, ela tem em si mesma autoridade divina. Mas o dom de profecia não garante a transmissão infalível da revelação.
O profeta pode perceber de modo imperfeito, pode compreender de forma imperfeita e, como consequência, pode comunicar de maneira imperfeita (semelhantemente ao que aconteceu com o pastor e sua exposição de 1 Tessalonicenses 4).
É por isso que Paulo diz que “vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho” (ver 1 Co 13.12). O dom de profecia pode resultar em uma profecia falha, assim como o dom de ensino pode resultar em um ensino falho. Portanto, se o ensino, que é um dom sujeito a falibilidade, pode edificar e fortalecer a Igreja, por que a profecia não pode também ser boa para a edificação (ver 1 Co 14.3,12,26), ainda que esses dois dons sofram de imperfeição humana e necessitem de análise?
Para aprender mais recomendamos a leitura do livro “Dons Espirituais: uma introdução bíblica, teológica e pastoral”, de Sam Storms. O autor aborda 9 dons espirituais de 1 Coríntios 12 e nos traz um exame bíblico do asssunto, assim como relatos verídicos de experiências com os dons espirituais. Saiba mais.