O filósofo grego Aristóteles é considerado o “pai da lógica”. Mas, na verdade, ele não a inventou, apenas criou regras e noções que nos ajudam a entendê-la. A mente humana vive pela lógica – ou, pelo menos, sua tendência inicial é lógica. Com o passar dos anos e sob um bombardeio constante de imbecilidades, o indivíduo desaprende a pensar logicamente. Mas a estrutura natural da mente humana tende a um discurso lógico. Faz sentido, por exemplo, que 1 + 1 = 2. Quem diria o contrário? Com uma precisão matemática, Aristóteles criou fórmulas para que pudéssemos identificar o que é lógico. Seguindo essa disciplina, entendemos que “X não pode ser X e não ser X ao mesmo tempo e no mesmo sentido”. Em outras palavras, o céu não pode ser literalmente azul e não ser literalmente azul ao meio-dia. Dizer que está “tudo azul” num dia de chuva não é ilógico, trata-se de uma maneira de dizer duas coisas diferentes que não se contradizem, pois essa expressão é uma gíria, um modo de falar não literal. Dizer que o céu está nublado é mais literal e, portanto, não entra em conflito com a afirmação de tudo “estar azul”. Nada mais lógico.
Aristóteles criou muitas fórmulas, quase matemáticas, para nos mostrar erros e acertos de lógica. Além do mais, estabeleceu categorias de argumentos que convencem mas são infundados e pecam contra um raciocínio sólido: as falácias. Entre as muitas falácias existe a do ad hominem (que significa “contra o homem”). O ad hominem não argumenta o mérito de uma questão – sua função, na verdade, é desqualificar o indivíduo que propõe um ponto de vista. É a famosa defesa de um político contra a acusação de um adversário ao afirmar que ela foi feita “por razões políticas”. Sim, o adversário pode até ter feito a acusação por razões políticas, mas ainda assim permanece a pergunta: “O que ele disse tem fundamento?” Ou seja, a acusação procede ou não? Não importa quem fez a acusação nem a razão pela qual foi feita. Esses fatores não mudam um fato: inocente ou culpado? O ad hominem, portanto, não entra no mérito de um argumento, mas tenta atacar a fonte do argumento e, assim, fugir da questão em si.
Vamos trazer isso para o nosso mundo evangélico. Há em pauta um argumento que ruge entre os adeptos da Teologia de Prosperidade e os que se opõem a ela. Todos citam a Bíblia, claro. Ninguém é louco de defender algo que não seja “bíblico”. Nosso universo cristão não se divide pelo uso ou não da Bíblia, mas pelo seu bom uso ou não. Um dos dois necessariamente está errado. A boa lógica exige essa certeza. E aqui preciso deixar claro que não estou entrando no mérito da questão. Estou entrando no mérito de um argumento que acabou de ser levantado contra uma postura que expus. E que argumento é esse?
Disseram, em conferência nacional, que eu não poderia jamais contradizer a postura da Teologia de Prosperidade porque ando num bom carro. Vamos então pensar sobre o mérito desse argumento, que é uma falácia ad hominem. Primeiro, se eu não tivesse um carro, certamente poderia ser considerado um invejoso, e, assim, meu argumento bíblico contra a Teologia de Prosperidade “não teria fundamento” (pelo menos segundo essa linha de argumentação). Mas, tendo um automóvel, pergunto: que modelo poderia eu dirigir para salvaguardar meu direito de tecer uma interpretação fiel das Escrituras? Se fosse um fusca, poderia eu ser um bom intérprete da Bíblia? E se ele tivesse direção hidráulica? Pela facilidade de dobrar uma esquina, de pilotar com uma mão, eu perderia a capacidade de criticar a Teologia de Prosperidade? Digamos que com direção hidráulica eu ainda conseguiria. Mas… e se fosse automático? Ou seja, por não ter mais que pisar na embreagem e mudar de marcha, eu perderia envergadura moral para poder ler, interpretar e aplicar as Escrituras Sagradas? E ar condicionado? Isso certamente me desmoralizaria para ser um intérprete fiel da Bíblia? Se o veículo fosse fabricado no México, o que faria dele um importado, estaria eu desqualificado para discutir o mérito? E se, em vez disso, a fábrica ficasse na França ou na Alemanha? Certamente o preço do carro entra em cena aqui. Acima ou abaixo dos 40 mil reais? O que me qualifica para ler e entender o que diz a Bíblia?
Entenda que, num mundo onde uma em cada sete pessoas se deita à noite com fome, quem tem um carro é rico. Quem tem mais do que uma roupa é rico. Quem tem o que comer e onde dormir é rico, na escala mundial de distribuição de renda. Então é pelo grau de riqueza que alguém ganha a envergadura moral para interpretar as Escrituras fidedignamente? Onde fica o equilíbrio, então? Onde mora o fiel da balança?
Voltando ao argumento anterior: será que somente alguém que não ocupa um cargo na administração pública pode acusar um político de corrupção? Se outro político o faz, seu argumento fica sem fundamento? Aristóteles afirma que não. Não é a condição do homem que vindica o seu argumento ou não.
Por outro lado, Paulo nos avisa contra os cães. Aliás, vamos ao texto:
Finalmente, meus irmãos, alegrem-se no Senhor! Escrever-lhes de novo as mesmas coisas não é cansativo para mim e é uma segurança para vocês. Cuidado com os cães, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa circuncisão! Pois nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos pelo Espírito de Deus, que nos gloriamos em Cristo Jesus e não temos confiança alguma na carne (Fp 3.1-3).
O que caracteriza a Igreja verdadeira é simples:
- Ela adora pelo Espírito de Deus;
- Sua glória se acha somente em Jesus;
- Não confia absolutamente no que seja, senão no poder de Deus.
É possível ter um carro e viver assim? E se é, que tipo de carro é legítimo dirigir? O argumento cai no ridículo. É uma cortina de fumaça levantada por quem não quer – ou tem argumentos válidos para – debater o mérito da questão. Melhor desqualificar qualquer um que possa discutir as Escrituras de modo coerente do que ter de tratar do seu erro nefasto. Que uma vida imoral nos desqualifica no âmbito cristão é inegável. Mas é meu carro ou minha forma de viver que vindica o que falo?
Sou um pecador salvo pela graça de Deus. Mas, após 31 anos de ministério, mantenho uma reputação ilibada. Continuarei a instruir quem tiver ouvidos para ouvir. Continuarei a tratar das questões sem ataques pessoais. E que a verdade vença o dia.
Na paz,
+W