O autor da carta aos Hebreus disse que a fé é “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem” (Hb 11.1). Fé, portanto, não é o fruto de uma observação ou processo racional; é algo diferente. Paulo disse até que é um dom de Deus. É a capacidade de abraçar verdades que nos remetem para fora da nossa realidade. Nesse sentido, não seria absurdo dizer que a fé é a apreensão de um mistério. Aliás, tudo que diz respeito a Deus é essencialmente um mistério. É claro que essa palavra tem que ser desembrulhada da forma correta, pois o termo “mistério” é usado para descrever algumas coisas que nada têm a ver com a fé.
Outro dia perdi algo em casa e após procurar e procurar, cheguei à conclusão de que o paradeiro do objeto era um “mistério”. Dias depois achei o mesmo no fundo de um armário escuro. Como chegou lá, nem desconfio. Mas o “mistério” se escondeu no escuro até que fosse trazido à luz. Aí deixou de ser um mistério. Aqui “mistério” era um conhecimento que, embora estivesse ao meu alcance, ainda não o havia descoberto.
Mas quando falamos de Deus e da fé, a palavra tem outro sentido. Pois Deus se revelou a nós: na criação, nos seus atos e nas suas palavras. Finalmente, Deus se revelou na vinda do seu filho Jesus Cristo. Ele mesmo disse que quem o conhecia já havia conhecido o Pai. Ele é a manifestação clara de Deus entre nós: Emanuel. Mas Deus também é infinito, eterna e luz plena, pura e, literalmente, insondável. As verdades sobre Deus que Ele mesmo nos revelou são apenas uma pequena parte de tudo que ele é. Ele é infinitamente mais. E a nossa razão não alcança o infinito. A nossa razão não tem como dissecar, escrutar, analisar e dimensionar Deus. É simplesmente impossível. Portanto, tudo que Ele é e faz compreende dimensões que extrapolam a nossa capacidade cognitiva.
Como a Bíblia fala de Deus então? Qual a linguagem que Ele usou e que tipo de raciocínio é necessário para compreendermos as verdades que Ele nos passa? Comecemos pela segunda pergunta, pois é o assunto principal deste texto.
Temos que empregar a nossa imaginação. A imaginação não é um caminho para a fantasia; é a nossa capacidade de pensar além daquilo que está por perto. Imagine, por exemplo um riacho numa montanha gelada, cercado por neve e num dia sem uma nuvem no céu. Dá para imaginar? Certo… Pois você acabou de usar essa faculdade humana de mentalizar algo que não é a sua realidade imediata. Mas dando um passo além, vamos tentar imaginar o que quer dizer “Deus falou ‘haja luz’ e houve luz”. Opa. Aí é quase inimaginável. A palavra criativa de Deus que lançou os planetas e estrelas no universo; a palavra criativa de Deus que separou as águas da terra seca… o que quer dizer isto? Para muitos, as palavras são tão familiares que nem se dão o trabalho de tentar imaginar o que estão descrevendo. Mas basta parar por um instante e tentar imaginar o que aconteceu e verá que a linguagem empregada por Moisés (o autor de Gênesis) não é uma linguagem normal, é uma linguagem metafórica. A metáfora informa a nossa imaginação. Ela nos aponta para realidades que francamente são inimagináveis. A metáfora nos ajuda a aprender coisas que realmente estão além do nosso alcance. É uma maneira linda pela qual a linguagem nos ajuda a nos relacionar com o transcendente.
C. S. Lewis disse que sem a imaginação a fé se torna muito difícil, quase impossível. E é infelizmente a imaginação que está em falta hoje em dia. Por lermos pouco, por dialogarmos pouco, por refletirmos pouco, nossa mente é como uma faca que precisa ser afiada (metáfora). Nossa capacidade de imaginação está de farol baixo (outra metáfora). Nossa fé é como alguém que come o cardápio, sem nunca provar o prato (sim… outra metáfora). Por isso, não podemos simplesmente ler a Bíblia com pressa. Temos que ler e deixar que Deus inspire a nossa imaginação. Pois nessa reflexão estão escondidas as riquezas mais preciosas da fé.
WM