O poder da língua (Tiago 3.1-12)
Dentre as muitas obras características do verdadeiro cristianismo descrito por Tiago está o domínio sobre a língua. Aliás, o apóstolo já nos advertiu que a religião verdadeira e uma língua indomada são irreconciliáveis – daí a necessidade de sermos prontos para ouvir e tardios para falar (Tg 1.19,26). Tal qual Salomão no Antigo Testamento, Tiago foi quem dedicou a maior porção do seu ensino para falar sobre o poder da língua no Novo Testamento (cf. Pv 12.18; 15.4; 16.27-28; 18.4,21; Tg 1.19,26; 3.1-12; 4.11-12,15-17; 5.9). Quem quiser aprender a falar como um cristão faz bem em ouvir atentamente as palavras de Tiago.
Guarde a sua língua, pois ela é uma vara de medição (Tg 3.1)
A pregação e o ensino da Palavra de Deus são absolutamente indispensáveis para a vida e para a saúde da Igreja. Eles ocuparam um lugar central no ministério de Jesus Cristo (Mt 4.23; Mc 1.38; Lc 4.14-21). Ocuparam também um lugar de destaque no ministério dos apóstolos e da vida comunitária da Igreja primitiva (At 2.14-36,42; 6.3-4). Paulo, ao dirigir-se ao seu discípulo Timóteo ao final da sua vida, o comissionou com a tarefa máxima da pregação da Palavra (2Tm 4.1-2).
Em várias das cartas do Novo Testamento, registramos o papel central que a Palavra de Deus tem na comunhão da Igreja e no chamado compartilhado entre os cristãos quanto à edificação mútua, o ensino mútuo, o encorajamento mútuo, a submissão mútua e a restauração mútua (Gl 6.1-5; Ef 4.11-16; 5.21; Cl 3.16; Hb 10.24-25). Ao mesmo tempo, as Escrituras Sagradas também nos mostram que o Senhor escolheu alguns dentre o seu povo para dotá-los com o dom de ensino a fim de que ensinassem e capacitassem os demais membros da Igreja por meio da exposição, aplicação e obediência à Palavra de Deus (Rm 12.7; Ef 4.11-12; 1Tm 3.1-7; 1Pe 4.10-11; Hb 13.7,17).
Aparentemente, as dificuldades enfrentadas pelos leitores de Tiago e as dissensões e divisões resultantes fizeram com que vários desejassem assumir a liderança entre aqueles irmãos, especificamente no tocante ao ensino da Palavra de Deus. Porém, o apóstolo os adverte que tal iniciativa era perigosa visto que o Senhor julgará com maior rigor os que ensinam a Palavra. (Tg 3.1) Contudo, se os mestres serão julgados com maior rigor, todos serão medidos e julgados pelas suas palavras – daí a necessidade do cuidado maior com a nossa língua (Tg 2.12-13; cf. Mt 12.33-37; 2Co 5.10).
Guarde a sua língua, pois ela é uma pedra de tropeço comum (Tg 3.2-8)
Todos nós tropeçamos de muitas e variadas maneiras, disse Tiago, mas todos nós tropeçamos no tocante à nossa língua. Contudo, longe de servir de desculpa e justificativa para o falar descontrolado, Tiago adverte seus leitores quanto ao peso que a língua tem sobre o destino da nossa vida – peso este em muito excedente ao peso e tamanho real da língua!
Como disse João Calvino, a língua é “um pequeno pedaço de carne que contém um mundo de iniquidade.” Muito antes dele, porém, o Senhor Jesus Cristo já havia alertado que a língua fala daquilo que está cheio o nosso coração pecaminoso (Mt 15.11,18-19). Embora o ser humano possa domar as demais criaturas da natureza, nem um homem sequer já foi capaz de domar sua própria língua. Tal qual o freio na boca do cavalo, o leme do navio e a fagulha no bosque, assim também a língua é capaz de afetar todo o curso da nossa vida – tanto no presente como no porvir! Se todos tropeçam no falar e o próprio falar pode comprometer nossa vida e nosso destino eterno, guardemos a nossa língua.
Guarde a sua língua, pois ela é uma vitrine do seu coração (Tg 3.9-13)
Mais uma vez, Tiago nos alerta quanto ao perigo da duplicidade e do engano na vida cristã. Tal qual orar a Deus sem confiar inteiramente em seu coração no Senhor, tal qual saudar o seu irmão em Cristo sem assisti-lo na sua necessidade, assim também bendizer ao Senhor e amaldiçoar o seu próximo é uma profunda contradição da nossa fé (Tg 1.5-6; 2.15-16; 3.9). O falar descontrolado dos leitores de Tiago – possivelmente contra os seus opositores e perseguidores ou contra aqueles irmãos que lhes estavam favorecendo em suas assembleias – servia de sinal da condição pecaminosa dos seus corações.
Contudo, assim como água doce e água amarga não procedem da mesma fonte, nem uma figueira pode produzir azeitonas ou uma videira pode produzir figos, tampouco podem palavras de louvor a Deus e condenação dos homens proceder da mesma boca (Tg 3.10-12).
Embora Tiago nos advirta claramente sobre os muitos pecados e perigos da língua, ele também nos orienta que a mesma pode nos trazer cura e salvação mediante a confissão dos nossos pecados (Tg 5.16). Por todas essas razões, devemos guardar a nossa língua, pois ela pode servir tanto de sentença de morte como de vida!
Para reflexão:
- Nas últimas décadas temos passado por uma das revoluções mais significativas da história desde a invenção da imprensa – a revolução da comunicação digital e virtual. Porém, com tantas novas formas de comunicação veloz e ágil – por exemplo, telefonia celular e internet – temos, de fato, nos comunicado melhor uns com os outros? A tecnologia tem sido capaz de domar e aprimorar a nossa língua?
- Como equilibramos as afirmações bíblicas que tratam da responsabilidade compartilhada dos cristãos em conhecer e compartilhar a Palavra de Deus com aquelas afirmações que tratam do ministério formal de ensino exercido apenas por alguns servos escolhidos por Deus? Que diferença faz saber que todos serão julgados – alguns com maior e outros com menor rigor, dependendo da sua responsabilidade na igreja – pelas palavras que proferiram ou deixaram de proferir?
- Como as afirmações de Salomão em Provérbios e de Tiago em sua carta nos ajudam a compreender o peso e as repercussões das nossas palavras?
- No final das contas, nosso problema em dominar a nossa língua é apenas um problema da escolha e do uso das nossas palavras? Ou será que o nosso problema é mais profundo do que isso?
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Mediante a declaração clara de Tiago de que todos nós tropeçamos em nosso falar, como você tem tropeçado no seu falar? O que isso revela a respeito do seu coração? Confesse os seus pecados ao Senhor e clame pelo seu perdão. Se necessário, confesse os seus pecados também àqueles a quem você feriu com as suas palavras (Tg 5.16). Peça que o Senhor possa restaurar a paz em sua vida e com aqueles a quem você feriu e que o Espírito Santo possa renovar e transformar o seu coração.