Coração indomável (Tiago 4.1-10)
Conflitos existem por toda parte – no trabalho e no trânsito, na faculdade e na família, entre estrangeiros e conhecidos, e até mesmo dentro da própria Igreja! Por toda a História e em nossas histórias particulares podemos constatar o rastro destruidor e os frutos amargos de brigas, contendas e disputas intermináveis. Mas, por que a nossa vida tem sido assim? E mais, ela precisa necessariamente ser assim? Que diferença faz a graça de Deus em tudo isso?
Coração indomável (Tg 4.1-3)
Evidentemente as coisas não iam nada bem entre os cristãos a quem Tiago endereçou a sua carta. A maledicência e o estranhamento entre esses irmãos na fé evidenciavam as brechas de divisão e dissensão. Porém, em vez de contentar-se com uma simples maquiagem do problema, Tiago corajosamente toca no âmago das discussões entre as suas ovelhas desafiando-as a examinarem seus próprios corações.
Primeiramente, Tiago mostra que relações corrompidas revelam corações corrompidos. As “guerras e contendas” abertas daquele grupo denunciavam o quanto seus corações eram reféns do egoísmo, da avareza, da inveja, da amargura e da cobiça. Diz o ditado: “Quando um não quer, dois não brigam.” Porém, quando todos querem mais do que já tem – posse, prestígio, poder ou prazer –, ou quando querem o que o outro tem, ou quando não querem compartilhar o que tem com os que não tem, aí todos brigam entre si!
Segundo, Tiago também mostra que corações corrompidos corrompem relações. Assim como uma criança que reage de maneira vigorosa e violenta quando é contrariada ou tem seu desejo frustrado, assim também aqueles cristãos estavam reagindo de maneira excessiva e exagerada ante os seus desejos insatisfeitos. O contágio do pecado estava alastrando-se dos seus corações para a sua comunhão uns com os outros mediante palavras e posturas arrogantes e agressivas.
Pior de tudo, a atenção excessiva daqueles cristãos aos seus desejos frustrados os tornaram desatentos ao seu relacionamento com o Senhor. O orgulho ferido daqueles cristãos não apenas corrompeu sua relação uns com os outros, mas com o próprio Senhor da igreja. Eles nada tinham, porque não o pediam em oração ao Pai. E quando pediam, pediam por motivos egoístas e gananciosos para satisfazerem seus próprios prazeres. De fato, nada estava bem naquela comunhão.
Graça maior (Tg 4.4-6)
Como em todo cenário de conflito, somos pressionados e tentados a tomar um partido da discussão. Num cenário tão conturbado quanto aquele descrito por Tiago em sua carta, é evidente que os seus leitores provavelmente já tivessem escolhido quem defender e quem atacar. Porém, Tiago os confronta vigorosamente quanto a que lado daquele conflito eles estavam – se do lado do mundo ou do lado de Deus.
“Adúlteros!” Em nenhum outro lugar do Novo Testamento esta palavra é usada para descrever os crentes em Cristo. Porém, Tiago aplica esta palavra aos seus leitores cristãos não com o intuito de denunciar algum caso de imoralidade sexual ou torpeza moral, mas sim a infidelidade espiritual daquela igreja – tal qual os profetas fizeram com o povo infiel de Israel no passado (cf. Jr 3.20; Os 2.5,7,16,20). Em outras palavras, ao darem vazão ao seu orgulho ferido, à sua inveja amarga e à sua cobiça frustrada, os leitores de Tiago estavam traindo sua lealdade ao Senhor e ao Seu Reino aliando-se com o mundo e com as suas paixões.
Para piorar a situação, Tiago reconhece que a tendência daqueles irmãos cristãos de abandonar sua lealdade ao Senhor provinha do seu próprio espírito pecaminoso¹. Contudo, havia esperança para aqueles cristãos, caso eles se lançassem humildemente aos pés do Senhor para lhe suplicar sua graça. De fato, onde o pecado havia proliferado abundantemente, a graça maior do Senhor poderia superabundar para perdoá-los, restaurá-los à comunhão com o Senhor e uns com os outros e fortalecê-los na resistência ao pecado.
Submissão ao Senhor (Tg 4.7-10)
Circunstâncias extremas exigem medidas extremas. Diante do cenário confuso e caótico da comunhão daqueles cristãos, nada menos que a rendição completa e irrestrita ao Senhor poderia salvar a alma e a comunhão dos leitores de Tiago.
No início e no fim das exortações do apóstolo nesta seção encontra-se a ordem suprema de submissão humilde ao Senhor. Somente assim aqueles cristãos fechariam as portas para a ação do Diabo em seu meio para convidar o Senhor para governar suas mentes e seus corações. Se assim o fizessem, eles necessariamente teriam que arrepender-se das suas ações externas e motivações internas – limpando as mãos e purificando os seus corações. No lugar do riso e da alegria passageira do pecado, eles deveriam buscar a bem-aventurança do quebrantamento e do arrependimento.
Então, quando a confusão e o caos do pecado ameaçarem se instalar no seu coração e corromper a sua comunhão com o Senhor e com o seu próximo, lembre-se: guarde o seu coração, vigie o seu espírito, submeta-se ao Senhor e dependa da Sua graça em todo instante. Se você não tem agido assim, volte-se ainda agora para o Senhor. Ele quer te perdoar, te curar e te restaurar pela graça disponível por meio de Jesus Cristo, Senhor e Salvador.
Para reflexão:
- Vivemos numa cultura excessivamente violenta e brutalizada. Somos cercados de conflito por toda parte, em cada âmbito da sociedade, e aprendemos desde cedo a competir com todos ao nosso redor pela garantia do nosso direito e do nosso espaço. Quanto dessa cultura tem se infiltrado dentro da própria igreja? Quanto dessa cultura tem se infiltrado dentro da sua própria casa e do seu próprio coração?
- Pare para examinar as circunstâncias ao seu redor – no seu local de trabalho e de estudo, dentro da sua própria casa e da sua igreja. Existem focos de contenda e conflito? Quanto desses conflitos é fruto de desejos insatisfeitos e vontades frustradas? Quanto o orgulho ferido – seu ou de outras pessoas – tem contribuído para o azedamento das relações? Quanto tudo isso tem afetado a comunhão – sua ou dos outros – com o Senhor?
- Como você tem reagido quando suas vontades não são satisfeitas no trabalho, em casa ou na igreja? Quanto isso revela acerca do seu próprio coração? Quanto isso tem afetado a sua comunhão com as pessoas ao seu redor e, acima de tudo, sua comunhão com o Senhor?
- Quanto você tem permitido que o inimigo se aproveite das brechas no seu coração e das rupturas de relacionamento com as pessoas do seu convívio para te afastar dessas pessoas e do próprio Senhor? Quanto você tem buscado e dependido da graça de Deus para resistir a essas tentações?
- Onde você tem deixado de submeter seus desejos e suas vontades ao Senhor? Pare agora mesmo e suplique o perdão do Senhor Jesus Cristo, a purificação da sua vida pela graça de Deus, a transformação do seu coração pelo poder do Espírito Santo e a renovação da sua comunhão com Ele e com o seu próximo.
1. Há muita discussão a respeito da tradução e interpretação correta da expressão de Tg 4.5. As duas interpretações mais aceitas defendem que: (1) o Espírito Santo que o Senhor fez habitar nos cristãos arde com zelo pela sua lealdade a Deus; (2) o nosso espírito arde com intensos desejos que nos movem no sentido contrário à vontade do Senhor. Embora haja boas evidências linguísticas para ambas as interpretações, o contexto da passagem parece favorecer a segunda interpretação visto que: (1) há amplo testemunho bíblico para tal afirmação (cf. Sl 14.1-3; 53.1-3; Ec 7.20; Is 59.7,8; Rm 3.9-20) e (2) Tiago parece contrastar a nossa tendência natural ao pecado com a concessão da graça maior do Senhor para resistirmos às tentações do pecado (4.5-6).